Blog questiona Corregedoria sobre juiz que calunia petistas em geral

Ativismo político

O episódio passou batido, apesar de ter sido vagamente noticiado pelo Estadão e pelo Brasil 247. Mas quem quiser ter a dimensão do naufrágio das instituições brasileiras deve atentar para episódio que talvez seja o mais impressionante que se viu até agora nesse contexto de deturpação das leis e afronta ao Estado democrático de Direito que vige no Brasil.

Ofender e caluniar o Partido dos Trabalhadores mesmo em casos nos quais a sigla nada tenha a ver com o assunto é legítimo devido aos problemas que o partido trouxe ao Brasil. Esse é o entendimento do juiz Eduardo Velho Neto, da 1ª Vara Cível de Piracicaba.

Esse juiz negou pedido de indenização por danos morais feito pelo diretório de Piracicaba do PT a um morador da cidade que escreveu texto no jornal local com a expressão “meliantes do PT”

O caso que desaguou nessa decisão peculiar começou quando Bruno Prata, ex-vereador da cidade pelo PSDB, envia uma carta ao jornal local reclamando do cheiro que emana de um frigorífico de sua rua. No meio do texto, o autor dá um jeito de misturar o problema do cheiro com o Partido dos Trabalhadores, que sequer governa a cidade.

“Creio que o cheiro de enxofre (do inferno) seja mais palatável que essa diabrura que aflige gente sem pecado e que, com toda certeza, são dignos trabalhadoras e trabalhadores que estarão um dia no Paraíso Celeste, já que como paga de tanto sofrimento, pagam impostos destinados a meliantes pertencentes ao PT”, escreveu Prata, representado na ação pelos advogados Cláudio Castello de Campos Pereira e Roberto Gazarini Dutra.

O PT foi à Justiça pedir indenização. O caso caiu nas mãos de Velho Neto, que resolveu inovar. Em sua decisão, recheada de ironias, deixa claro que não concorda com o pedido e tenta dar lições de moral ao partido.

“Ouso também dizer que o PT em momento algum participou de tratativas criminosas e abusivas […] Ouso também dizer que o PT em momento algum foi notícia ou motivo de comentários, reportagens relacionados a fatos escusos, escabrosos”, escreveu.

Após julgar que a decisão judicial seria o espaço adequado para seu exercício de ironia e após análise de mérito repleta de sarcasmo definiu: o autor da carta é culpado e deve pagar R$ 1,00 (um real) ao PT.

Segundo julgamento

O diretório do partido foi ao Tribunal de Justiça de São Paulo reclamar da decisão. A corte concordou, anulou o julgamento e determinou que Velho Neto julgasse o caso novamente.

Eis que o inusitado se repete. Na segunda análise, o magistrado foi mais conservador em sua verve. Não utilizou de ironias nem sarcasmos e absolveu o autor carta. Para Velho Neto, o PT que deveria comprovar que não tem meliantes em seus quadros:

“Em que pese ter o requerido generalizado seu conceito em torno do partido, acusando seus integrantes de ‘meliantes’, certo é que o requerente não fez prova do contrário”.

O juiz analisa: “A grande maioria de seus ilustres Membros ou Filiados citado nos noticiários está até o cerne envolvida nos escândalos que hoje nos assombram e nos entristecem”.

Perceptivelmente consternado, Velho Neto tem um questionamento: “Desta forma, como, em sã consciência, poder pleitear indenização por danos morais o autor cuja imagem hoje se mostra tão vilipendiada e maculada?”.

Clique aqui para ler a decisão do primeiro julgamento.

Clique aqui para ler a decisão do segundo julgamento.

Dona Mariazinha

Esse episódio fez o signatário desta página se lembrar de dona Mariazinha. Ela tem 84 anos e é filiada ao Partido dos Trabalhadores há mais de vinte. Nunca disputou eleições pelo PT, nunca teve cargos, nunca recebeu salários, mas filiou-se ao partido e até contribuiu para ele durante mais de duas décadas.

Dona Mariazinha, agora, é oficialmente “meliante do PT” pela decisão de um juiz de Direito, que, com sua sentença, expôs 1.549.608 filiados ao partido (dados de 2016) a serem caluniados e insultados simplesmente por terem opinião política diferente da de um membro do Judiciário.

Diante de fato tão inusitado, o Blog da Cidadania procurou a Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo e agendou entrevista com o corregedor desembargador Manuel de Queiroz Pereira Calças para que ele possa explicar se é aceitável uma conduta como essa de um juiz de Direito.

No mínimo, qualquer cidadão brasileiro que seja filiado ao partido dos trabalhadores ou mesmo que tenha simpatia por essa agremiação tem interesse em saber se pode ou não ter essa preferência política e se o PT é ou não um partido político legalizado que pode ser votado e apoiado livremente pelos brasileiros.

A decisão do juiz de Piracicaba coloca essa questão em xeque. Se o juiz Eduardo Velho Neto tiver razão, a Justiça Eleitoral terá que cassar o registro do PT e a Constituição terá que ser reformada, para cassarem constitucionalmente a liberdade de expressão e pensamento sobre um único ponto na Existência.

Não é piada. Um professor de Direito Constitucional acaba de me dizer que para permitir que seja lícito chamar oficialmente de “meliante” todo cidadão que simpatize com o PT, haverá que instituir uma censura constitucional ao direito de expressão e à liberdade de pensamento pelo menos quanto a esse partido.

Mas, atenção: se não é possível modificar dessa forma a Constituição Federal, então o juiz de Piracicaba errou feio e, no mínimo, deveria ser duramente punido. E suas vítimas, indenizadas.