Jurista Dalmo Dallari chama derrubada de Dilma pelo TSE de “fantasia política”

entrevista

dalmo dallari

Dalmo de Abreu Dallari (Serra Negra, 31 de dezembro de 1931) é um jurista brasileiro, formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

É Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Entre suas principais obras destaca-se Elementos de Teoria Geral do Estado.

Em 2001, publicou obra pioneira acerca de perspectivas do Estado para o futuro – intitulando-a de O Futuro do Estado – trata do conceito de Estado mundial, do mundo sem Estados, dos chamados Super-Estados e dos múltiplos Estados do Bem-Estar.

Em 1996 tornou-se o professor catedrático da UNESCO na cadeira de Educação para a Paz, Direitos Humanos e Democracia e Tolerância, criada na Universidade de São Paulo.[1] , tendo participado de seu primeiro Congresso em 1998.

Dallari é um dos autores mais estudados em todas as faculdades de Direito do Brasil e do exterior.

Na tarde de quarta-feira, 26 de agosto de 2015, ele concedeu entrevista exclusiva ao Blog da Cidadania sobre a recente decisão do Tribunal Superior Eleitoral de dar prosseguimento em ação do PSDB no sentido de impugnar a chapa Dilma Rousseff / Michel Temer e dar posse àqueles que obtiveram o segundo lugar na eleição presidencial do ano passado.

Confira, abaixo, a entrevista.

Blog da Cidadania — O TSE acaba de aprovar o prosseguimento de ação do PSDB que pede que a vencedora da eleição presidencial do ano passado seja tirada do cargo e o segundo colocado seja empossado. Como o senhor vê essa decisão de quatro dos sete membros daquela Corte?

Dalmo Dallari – Eu tenho acompanhado isso e acho um absurdo que o ministro Gilmar Mendes tenha sido uma influência tão grande porque ele ostensivamente, publicamente, tem posições políticas contrárias à da presidente Dilma Rousseff. Então, o julgamento comandado por ele evidentemente não foi um julgamento jurídico, foi um julgamento político. Acho que isso é muito ruim e é desmoralizante para o Tribunal.

Blog da Cidadania — Alguns analistas já estão dizendo que a derrubada da presidente da República e a posse daquele que ela derrotou são favas contadas. O senhor concorda com isso ou acredita que o jogo não terminou e, apesar dessa decisão, é possível reverter o quadro no decorrer da ação?

Dalmo Dallari – Eu acho que não há o mínimo risco [de derrubada do governo] porque não tem consistência jurídica. Antes de mais nada, essa decisão [do TSE] foi só para reabertura [do processo], não é decisão do Tribunal condenando, reconhecendo falhas, erros, ilegalidades. É só reabertura da discussão. Isso tudo vai muito longe e a presidente Dilma tem o direito de ser ouvida, inclusive de exigir a verificação de documentos, a busca de provas e, eventualmente, até oitiva de testemunhas. Derrubada da presidente pelo TSE é apenas uma fantasia política. Do ponto de vista jurídico está muito distante a possibilidade de que, a partir daí [da decisão do TSE de reabrir o processo], se afaste a presidente Dilma Rousseff.

Blog da Cidadania — Existe alguma possibilidade de recurso ao STF contra eventual decisão do TSE de impugnar a chapa Dilma Rousseff / Michel Temer?

Dalmo Dallari – Claro que sim. Nesse caso, haveria recurso ao Supremo Tribunal Federal. De maneira que ainda há muito chão a ser percorrido. Primeiro, houve a simples decisão de reabertura do caso. Então, ele comporta muita discussão, busca de provas, direito de defesa. E, se no final, se considerar que a instrução do processo está correta, aí o Tribunal julga, mas com um pormenor: se for julgamento de turma, cabe recurso para o Pleno [julgamento pelo Plenário do TSE]. E, depois disso, ainda cabe recurso ao Supremo Tribunal Federal. De maneira que é coisa para alguns anos, pelo menos.

Blog da Cidadania – Como o senhor vê a atuação da imprensa em todo esse processo?

Dalmo Dallari – Nós estamos vivendo, já, um período que eu nem diria pré-eleitoral; é um período eleitoral. Todas as colocações ou tratamento dados pela imprensa que envolve questões políticas são, na verdade, político-eleitorais. Em verdade, o que estamos vendo [na imprensa] já é uma preparação para as próximas eleições. A disputa eleitoral já está em aberto e, por isso, não tem maior importância, maior significação. Eu diria nenhuma significação jurídica essa movimentação de órgãos da imprensa.

Blog da Cidadania — Que consequências podem advir para a democracia brasileira de uma interrupção de mandato presidencial obtida sob contestação veemente da minoria do TSE como a que a imprensa está noticiando? Uma decisão tão drástica tomada sob esses augúrios afetaria de que forma a nossa democracia?

Dalmo Dallari – Se isso [derrubada de Dilma pelo TSE] chegasse a acontecer, seria muito grave porque causaria perturbação política séria. Uma mudança total de governo – e uma mudança em condições excepcionais – teria consequências sobre o sistema de reparação de poderes, formação de maioria dos parlamentos. Seria realmente uma espécie de revolução política, um transtorno político muito grande. Mas por isso tudo eu acho que não há a mínima possibilidade de que tenha seguimento sério essa pretensão.

Blog da Cidadania — Existiria alguma conexão entre o processo político-jurídico em curso no país e o julgamento da Ação Penal 470, vulgo “julgamento do mensalão”?

Dalmo Dallari – É claro que o mensalão tem um conteúdo jurídico-político, sem dúvida alguma. Então, muitas coisas que estão acontecendo – atitudes tomadas, declarações informais de membros do Judiciário – tem um conteúdo essencialmente político.

Blog da Cidadania – O senhor gostaria de acrescentar mais alguma coisa, doutor Dalmo?

Dalmo Dallari – Eu acho lamentável que órgãos de imprensa que têm responsabilidade não se comportem de maneira mais serena, dando mais importância às instituições, respeitando mais os interesses da cidadania brasileira. O que se tem visto são publicações e pronunciamentos nitidamente parciais e isso é muito negativo. Seria muito importante um trabalho no sentido contrário de despertar a consciência política popular, estimular reflexões políticas, discussões sérias, porque é assim que se consolida o sistema democrático.