Eu, o Estadão, o G1 e os black blocs

Análise

 

De quarta (29/01) para quinta-feira (30/01), ocorreu um fato surpreendente envolvendo este que escreve, uma repórter do jornal O Estado de São Paulo, outra do Estadão e pessoas que falam em nome do grupo que usou tática black bloc para “coroar” o protesto contra a Copa de 2014 que ocorreu em São Paulo no último sábado (25/01).

O fato surpreende pelo ineditismo: repórteres dos veículos supracitados telefonaram para me ouvir sobre a campanha de arrecadação de doações que este Blog promoveu para que o dono do fusca incendiado naquele protesto pudesse comprar outro veículo, pois utilizava o que perdeu para trabalhar.

O que é inédito? Repórteres da Globo (G1) e do Estadão procurarem um blogueiro que, através da ONG que fundou em 2007 (o Movimento dos Sem Mídia) juntamente com seus leitores, representou várias vezes ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal contra esses dois veículos – e vários outros – devido a campanhas midiáticas deles que entendeu que violaram o interesse público.

Este blogueiro, além de ter representado contra esses veículos – e de ter ao menos uma dessas representações aceita pelo Ministério Público Federal (Caso da Febre Amarela, em 2008) – também promoveu vários atos públicos diante da Folha de São Paulo, como no caso da Ditabranda, em 7 de março de 2009, por o jornal ter afirmado, em editorial, que a ditadura militar, no Brasil, teria sido “branda”.

Detalhe: aquele ato, convocado através deste blog, juntou cerca de 300 pessoas diante da Folha, segundo matéria que o próprio jornal escreveu no dia seguinte (08/03/2009).

Outro detalhe: a representação contra alarmismo da mídia em relação à febre amarela foi aceita pelo Ministério Público Federal, que abriu investigação inclusive contra as Organizações Globo e o Estadão, que tiveram que constituir advogados para se defender de processo que acabou arquivado devido ao fim da lei de imprensa, base da acusação da ONG.

Enfim, a maioria dos leitores deste Blog já conhece a sua longa história de questionamentos da grande mídia (com destaque para Globo, Estadão e Folha) inclusive por vias legais, conforme comprovado acima.

O que me surpreendeu, portanto, foi ter recebido ligações das duas repórteres do Estadão e do G1, pois não sou lá muito bem quisto nesses veículos. Por conta disso, fiz questão de conceder entrevista às jovens repórteres que me procuraram para falar do caso do fusca incendiado por black blocs no último sábado (25/01). Queria ver no que ia dar…

E vi.

As repórteres Bárbara Ferreira dos Santos (Estadão) e Lais Cattassini (G1) foram amáveis e ouviram atentamente meu relato sobre o caso do fusca. Fizeram pouquíssimas perguntas, ao passo que falei muito ao telefone. Outra surpresa, portanto, foi as matérias que fizeram terem saído bem menos ruins do que imaginava.

Mas, claro, as matérias sugerem que suas autoras pecaram por falta de apuração, talvez por certa preguiça, mas, muito provavelmente, por ordens superiores ou para tentar agradar a esses superiores deixando margem a dúvidas que não poderiam existir.

Por que? Pois muitas das afirmações que eu e os black blocs fizemos sobre as campanhas poderiam não ter ficado somente no declaratório; as informações poderiam ter sido checadas.

Explico: os black blocs afirmaram à jornalista Lais Catassini (G1) que eu teria feito a campanha de solidariedade por conta de minha candidatura a algum cargo eletivo neste ano. Ora, ela poderia ter verificado se me filiei a algum partido, pois se eu não tiver filiação partidária – e não tenho – não posso me candidatar a nada.

Expliquei isso a Lais, mas o fato ficou de fora da matéria. Ela preferiu destacar afirmação dos black blocs de que eu teria me “apropriado” de doações que não partiram da campanha #VaiTerFusca, pois não teriam sido feitas na conta de Itamar dos Santos, dono do fusca incendiado, a partir da campanha em tela e, sim, por outros meios – que não disseram quais foram nem ofereceram qualquer prova, como faço aqui.

Bárbara (do Estadão) foi na mesma linha.

Apesar disso, informei às duas mocinhas que poderiam verificar algumas coisas no Facebook e neste blog mesmo.

Primeiro, que a campanha foi lançada na rede social no dia 26 de janeiro às 17:49 hs. O post (vide abaixo) recebeu 242 comentários, 378 “likes” e 178 compartilhamentos. Lá, fazendo as contas, pode-se perceber que se toda aquela gente doasse recursos ao dono do fusca (doações de 30, 50 e até 100 reais) já daria para resolver o problema dele.

Abaixo, o post. Vale a pena ler os comentários

(clique na imagem para ir ao meu perfil no Facebook e ver as postagens seguintes)

Se qualquer pessoa interessada nos fatos for às postagens seguintes no Facebook e no Twitter (a partir das 17:49 hs de domingo, 26 de janeiro) poderá ver que centenas de pessoas prometeram doar recursos ao dono do fusca incendiado. Ora, se 200 pessoas doam, em média, 30 reais, chega-se facilmente a uns 6 mil reais.

Essa meta foi ultrapassada porque, além dos doadores iniciais, centenas de leitores deste blog, nos dois posts anteriores a este, propuseram-se a doar e, após fazer as doações, voltaram a esta página para confirmar que tais doações foram feitas, tendo o mesmo acontecido no Twitter e no Facebook.

Aliás, nessas redes sociais, a partir das 17:49 hs. de 26 de janeiro último, além dos relatos de quem depositou há, também, imagens digitalizadas dos recibos de depósito. Recebi, também, algumas dezenas desses recibos por e-mail e via mensagens privadas nas redes sociais – só não vou reproduzir porque tais recibos têm os dados dos depositantes e é meu dever preservá-los.

Mas quem quiser, repito, pode ir às redes sociais e verificar meus perfis a partir da data e hora do início da campanha #VaiTerFusca. Basta querer os fatos em vez de versões deles. E também aos posts deste blog que trataram do assunto (aqui e aqui), onde serão encontradas CENTENAS de promessas ou de confirmações de doações ao dono do fusca incendiado.

Se não fosse suficiente, bastaria G1 e Estadão reproduzirem os vídeos dos posts supracitados.

Aliás, no primeiro desses posts poderiam verificar a data e hora da veiculação do número da conta do senhor Itamar, dono do fusca incendiado, e verificar se encontram esse número em algum outro site ou rede social com data e hora anteriores. Não encontrando, saberiam que se esse número foi reproduzido em alguma parte, foi tirado daqui.

Por fim, as repórteres poderiam ter perguntado ao senhor Itamar se ele passou a sua conta no Itaú a mais alguém – e esse senhor só recebeu dinheiro em sua conta no Itaú, ele deixa isso claro nos vídeos que gravei com ele.

Se as jovens repórteres tivessem perguntado, o senhor Itamar também diria que o rapaz representante dos black blocs que organizou a “vaquinha” (que ainda não pôs um centavo em suas mãos) ficou “muito nervoso” por ele ter se recusado a lhe passar o número de sua conta, pois não sentiu confiança.

O senhor Itamar me relatou que sua esposa, após “muita luta” do garoto black bloc, deu o número de sua conta de poupança no banco Bradesco, onde, até que que eu e ele conversamos (na quarta-feira), ainda não tinha caído nenhum centavo – e suspeito de que ainda não caiu, mas vou checar.

De qualquer forma, as matérias do G1 e do Estadão não foram tão ruins. Apesar de as repórteres de veículos que odeiam este que escreve terem dado a afirmações recheadas de provas (como as que fiz) o mesmo peso que deram a afirmações só de gogó dos black blocs, ao menos elas divulgaram suspeita que ainda mantenho contra as tais “vaquinhas”.

A razão dessa desconfiança se deve a que uma das “vaquinhas” já foi interrompida por suspeita de desvio de recursos, conforme matéria do Jornal da Cultura que você, leitor, pode conferir logo abaixo.

 

 

Só o que continuo sem entender, até o momento, é por que os black blocs – os quais, além de terem queimado o carro do senhor Itamar, ainda tentam posar de generosos – não depositaram suas contribuições direto na conta do homem. A esta hora ele já estaria com o dinheiro, tanto quanto está com o dinheiro da campanha #VaiTerFusca.

Mais um detalhe: da “vaquinha” que sobrou, segundo o Estadão o dono do fusca só verá cor do dinheiro em março. Mas para quê, se o objetivo é só ajudar? Só se os black blocs quiserem faturar politicamente em cima dessas doações… Se for, não terão êxito. Se você dá um tiro em alguém, não será levando flores para ele no hospital que elidirá o seu crime.

Confira abaixo, leitor, as matérias do Estadão e do G1 sobre o caso. E que cada um julgue como quiser. Até porque, essa novela não acabou.

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O ESTADO DE SÃO PAULO

Vaquinha para recuperar fusca queimado arrecada mais de R$ 7 mil

Valor pode superar R$ 17 mil; grupos rivais divergem sobre autoria das doações

30 de janeiro de 2014 | 18h 53

O dono do fusca incendiado durante protesto contra a Copa do Mundo no último sábado, dia 25, na região central de São Paulo, já recebeu mais de R$ 7 mil de doações de voluntários em sua conta e na conta de sua mulher. O valor recebido pelo serralheiro Itamar Santos, de 55 anos, pode superar R$ 17 mil com a arrecadação de uma vaquinha online, que deve se encerrar até março.

Santos ficou surpreso com o montante das doações e afirmou que ainda não sabe o valor exato que está em sua conta bancária “Nem fui até o banco ver quanto recebi. Quem acompanha mais é a minha mulher, mas está chegando bastante doação”, disse. “Fiquei muito feliz, agradeço a todos os doadores, porque tem gente simples, que não tem muita coisa, e que depositou R$ 50 na minha conta. O brasileiro é muito bom. Acho que é muita coisa o que recebi, não mereço tudo isso não.”

Com o dinheiro, ele pretende comprar um carro novo, que usará para o trabalho de serralheiro. “Eu vou comprar um carro e está bom demais. Infelizmente não tem mais condição de reformar o fusca, que era muito velhinho. Com o calor do fogo, ele torceu muito. Eu vou pegar os documentos e levá-lo para o ferro velho”, afirmou.

Divergências. As doações ao serralheiro causaram discórdia entre dois grupos de doadores. Por um lado, há acusações de motivações políticas e de repúdio a manifestações populares. Por outro, há reclamação de falta de transparência na doação.

O grupo que organiza a campanha “Vaquinha para o dono do fusca incendiado”, no site vakinha.com.br, apoiado por movimentos como Anonymous e Black Blocs, disse já ter conseguido arrecadar mais de R$ 5 mil. O valor ainda não foi depositado na conta do serralheiro porque o grupo diz que pretende juntar R$ 10 mil até março e entregar o valor total a Santos. “Apesar da data limite, a campanha vai se encerrar assim que os valores confirmados chegarem à meta”, afirmou Mario Lopes, 33, estudante universitário, que criou a página da doação no site.

Já o blogueiro Eduardo Guimarães, de 54 anos, que divulgou em seu blog o número da conta bancária do serralheiro, afirmou que conseguiu arrecadar R$ 7,6 mil, depositados diretamente na conta de Itamar.

Lopes e outros organizadores da vaquinha online afirmam que o blogueiro teve motivações políticas para divulgar a conta do serralheiro e criticam declarações de Guimarães de que os depósitos foram fruto apenas de sua divulgação.

Segundo Lopes, pelo menos três grupos que apoiavam as manifestações se reuniram pelas redes sociais para doar dinheiro ao serralheiro e todos eles divulgaram tanto a conta de Santos quanto de sua mulher. “O Eduardo divulgou apenas a conta do sr. Itamar e um grupo, que reunia mais de 2 mil pessoas (um terceiro grupo, do qual Lopes não fazia parte), sabendo disso, destacou mais a conta da dona Cida. Mas sem promover ‘boicote’ à conta do sr. Itamar”, afirmou. Lopes disse ainda que muitas doações passaram a ser feitas por meio do site vakinha.com.br para que Guimarães não assumisse a autoria das doações.

O blogueiro, que critica as manifestações de Black Blocks, diz por sua vez que não teve motivação política para a divulgação da conta. “Foi por solidariedade ao Itamar, que teve seu fusca destruído por causa de anônimos que defendem tacar fogo em tudo”, afirma. Segundo ele, falta transparência nas doações que não depositam o dinheiro diretamente na conta de Itamar. “Podem fazer quantas campanhas quiserem, contanto que elas sejam transparentes. Por que acumular dinheiro naquele site, se tem o número da conta do Itamar? Ele vai receber mais rapidamente”, afirma. “Teve gente que pegou a conta dele, falou que ia doar e não doou até agora. No vídeo que eu publiquei, Itamar diz que mais de R$ 7 mil foram doados na conta dele e o fusca vale 4 mil no máximo e tudo isso graças à divulgação no meu site, no meu blog e no meu Facebook.”

Apesar das discussões, tanto Lopes quanto Guimarães afirmam que estão “felizes” que o objetivo de ajudar o serralheiro esteja sendo atingido com as campanhas de divulgação. Já Itamar disse que está chateado com toda a briga. “Para mim, tudo bem se quiserem me ajudar. Não sou rico para recusar. Se eu soubesse que ia dar briga, eu ia continuar batendo o pé de que não precisava doar nada. Não queria ficar no meio dessa situação. É desagradável, não precisa disso”, afirma. “Eu não estava contando com dinheiro nenhum, então o que vier será lucro.”

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PORTAL G1

Grupos ‘disputam’ ajuda a serralheiro que perdeu Fusca em protesto

Duas campanhas arrecadam dinheiro para homem cujo carro pegou fogo. Incidente ocorreu durante protesto no sábado (25) contra Copa do Mundo.

Por Lais Cattassini

Do G1 São Paulo

Duas campanhas online de arrecadação de dinheiro para que o serralheiro Itamar Santos, de 55 anos, possa comprar um novo carro começam a conquistar colaboradores na internet. O Fusca dele pegou fogo na região da Praça Roosevelt, no Centro de São Paulo , durante protestos no sábado (25) contra a Copa do Mundo.

Com visões políticas distintas, os grupos organizadores também optaram por maneiras diferentes de entregar a quantia ao serralheiro, o que tem motivado críticas de ambos os lados.

No site vakinha.com.br , um grupo de jovens – grande parte formada por integrantes de táticas de protesto como o black bloc – arrecadou cerca de R$ 4.400. O objetivo, explica Mario Lopes, um dos organizadores, é reunir R$ 10 mil e comprar o carro para Itamar, que será entregue pessoalmente. “Qualquer diferença ou ‘sobra’ de valor será também entregue em mãos”, explica Lopes.

Já o blogueiro Eduardo Guimarães, que critica fortemente movimentos e táticas como os black blocs, optou por divulgar o número da conta do serralheiro e incentivar transferências. “Comecei a campanha e, já na segunda-feira, começaram os depósitos”, conta. Itamar afirma que já recebeu cerca de R$ 7 mil dessa forma.

Guimarães critica os organizadores da “vaquinha”, questionando a verdadeira finalidade do montante arrecadado. “Por que não depositam o dinheiro direto na conta dele, que eu divulguei? Acho que esse processo é opaco”, avalia.

As críticas de Guimarães são rebatidas por Lopes, que afirma que o blogueiro tem usado a situação para se promover. “[Ele está] inclusive se apropriando de doações de pessoas que jamais ouviram falar dele ou de sua ‘campanha’ para fazer disso uma plataforma política.”

Independentemente de quem veio o dinheiro ou de quais são os interesses por trás das campanhas, Itamar agradece as contribuições que recebeu e se sente feliz com as  iniciativas de ajuda. Só não aprova, porém, as discussões feitas em seu nome. “Me colocaram no meio desse bafafá, que eu não estou achando legal. Se quiserem me ajudar, ajudem. Mas já fiquei chateado com isso”, afirma.

O valor depositado na conta do serralheiro até o momento já é o bastante para repor o Fusca perdido, mas Itamar diz que prefere esperar. “Como estou usando o carro de um amigo, vou esperar mais um pouco para comprar o meu”, explica.

Se ele receber o automóvel prometido pelos organizadores da “vaquinha”, além do dinheiro já depositado em sua conta pela outra campanha, Itamar diz que não sabe o que fazer, nem mesmo se vai comprar um novo Fusca.

“Aconselhei que ele compre um carro com mais segurança, mas que seja capaz de manter depois”, sugere Guimarães.

Incêndio em Fusca

Quando entrou no meio da confusão, Itamar voltava para casa após ter participado de um culto na igreja evangélica que frequenta. O serralheiro contou que dirigia pela região da Consolação quando viu outros dois carros passarem sobre barricadas em chamas colocadas por manifestantes.

Ele resolveu seguir o mesmo caminho, mas um colchão pegando fogo se prendeu a seu Fusca. O homem ainda tem dúvidas se o colchão foi chutado por um ativista ou se acabou se prendendo ao assoalho do carro sem ajuda de ninguém.

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