Vandalismo de jovens mostra perda de fé na democracia

Crônica

Pelo quinto mês consecutivo, o país convive com cenas assustadoras de violência em protestos convocados pelas mais diversas razões – algumas justíssimas, outras nem tanto. Em todos esses movimentos populares, porém, a violência, o vandalismo e algumas vezes verdadeiras tragédias tornaram-se subprodutos. Eventos tão previsíveis como o próximo alvorecer.

Por exemplo: na segunda-feira, um protesto de moradores de três favelas de São Paulo terminou em tragédia: manifestantes viraram um carro em cima de uma barreira com material pegando fogo e o veículo explodiu. Seis pessoas ficaram feridas. Duas delas, gravemente. Uma das vítimas foi uma criança.

Algumas dezenas de pessoas já morreram durante protestos, desde junho. Os feridos chegam a centenas, entre civis e policiais. E algumas vítimas nem participavam dos protestos, tendo sido tolhidas por estarem passando pelos locais.

Os prejuízos ao patrimônio público e privado alcançam bilhões de reais e frequentemente têm sido suportados não só por bancos e grandes empresas, mas por cidadãos comuns e pequenos comerciantes que perderam veículos ou pequenos negócios, como bancas de jornal, pequenas lojas etc.

No mesmo dia da tragédia em São Paulo, um protesto no Rio de Janeiro provocou um princípio de incêndio na Câmara Municipal. Mascarados atiraram coquetéis molotov contra o patrimônio do povo carioca.

No Facebook, na postagem de uma foto do incêndio que por pouco não consumiu a sede do Legislativo municipal, centenas de comentários. A grande maioria de pura comemoração pela cena dantesca.

Lendo o que as pessoas dizem naqueles comentários, salta aos olhos que são todos jovens. Os mascarados – ou “black blocs” – que promovem esses atos de vandalismo, idem. Ou seja: primordialmente, quem está indo à rua (mascarado ou não) para “quebrar tudo” são jovens. E eles acreditam firmemente que estão agindo bem, em prol do país.

Dirão que no Rio há partidos políticos envolvidos nas depredações e que esses que promovem essas sandices são todos filhinhos de papai – ou “coxinhas”, como preferem alguns. Sim, há políticos por trás, mas há muita gente que participa sem ser estimulada por nada além de sua visão das coisas.

O elitismo dos que protestam até já foi verdade, lá no começo dos protestos, mas deixou de ser. Sabe-se que há muito jovem pobre e revoltado que se uniu a protestos que começaram nas classes mais favorecidas e contagiaram a juventude cansada de não ter esperança no futuro devido à cor da pele ou à classe social a que pertence.

Pobres ou ricos, o fato é que essa juventude que comemorava no Facebook ou nas ruas as cenas trágicas que se viu ontem em cidades como Rio ou São Paulo decididamente não acredita mais na democracia, nos meios tradicionais de luta política – e muito menos na classe política.

Alguns desses comentários na postagem no Facebook sobre o princípio de incêndio na Câmara municipal do Rio chegaram a descrever a cena dantesca como “linda”, como indício de que o país estaria “mudando” por uma Casa que é do povo estar sendo atacada com aquele nível de violência.

Vendo a honestidade das manifestações daqueles jovens que comemoravam o caos e o descaminho da democracia – pois naquela Casa legislativa que foi atacada é que deveria ocorrer o embate, mas não físico e sim de ideias –, reflito que nós, os maduros, estamos perdendo essa juventude para a desesperança na única força que pode nos salvar.

De quem é a culpa? É minha e sua, que, como eu, tem idade para ser pai ou mãe desses jovens. Não soubemos legar-lhes um pais melhor ou educá-los de forma a que entendessem que a nossa geração lutou para que Casas legislativas funcionassem e não para que fossem depredadas.

Sim, julgo que estão equivocados. Mas não têm culpa. Aliás, por que ocorreu aquele tumulto? Porque os professores que educam tantos daqueles jovens são pisoteados pelo Estado, que finge que os paga enquanto fingem que ensinam, até por não terem condições mínimas de fazê-lo após jornadas exaustivas e até desumanas de trabalho mal pago.

Enquanto penso nisso, arrependo-me de não tê-los compreendido antes. Talvez por ter me esquecido do que é ser jovem e se frustrar com o status quo. Eu, que vivi um período da história deste país em que havia infinitamente mais motivos para frustração.

Estaremos fadados, os seres humanos, a perder a capacidade de sonhar e de ousar conforme a idade passa? Estaremos fadados a perder a capacidade de dialogar com a juventude? Por que os maduros que desaprovamos – com carradas de razão – os desatinos que a desesperança instilou nessa juventude não estamos sabendo chamá-la à razão?

Talvez por termos esquecido a linguagem da juventude…

Por mais que discorde desses jovens, não posso negar que é bonito ver como acreditam no que estão fazendo. Julgam que estão ajudando o país. Não percebem que estão fazendo o contrário. E se não percebem a culpa é nossa, da geração anterior que não soube educar esta transmitindo-lhe a importância da democracia.

Quando jovens descreem completamente da política ao ponto de atacar seus símbolos estão abandonando o caminho democrático para mudar o país para melhor e apelando para a barbárie, como se esta fosse resultar em algo mais além de um excelente pretexto para alguns espíritos autoritários invocarem uma repressão que a minha geração conheceu muito bem.

Não sei se há tempo para chegar a essa juventude e convencê-la a não dar pretextos para que autoritários desencadeiem a boa e velha reação contra demandas legítimas da sociedade, mas, seguramente, não podemos tratá-la como criminosa ou vilã. É, no máximo, vítima da geração anterior, que não soube lhe transmitir valores e legar-lhe o país que deveria.