A lógica do Mídia Ninja que o Roda Viva não entendeu

Análise

 

A entrevista dos integrantes do grupo Mídia Ninja ao programa Roda Viva da última segunda-feira entrará para os anais do jornalismo. Em grande parte pelo talento dos entrevistados, em outra parte pelo bem menor talento dos entrevistadores – que pode ter sido menor, mas existiu – e, em última parte, pelo mérito de o programa ter exibido, como nunca antes na história deste país, o saudável, permanente e promissor conflito entre a nova e a velha mídias.

Não que essa tenha sido a intenção do Roda Viva. Sua ideia foi muito mais a de caricaturar o braço comunicacional de um movimento que pode ser definido, a grosso modo, como artístico-jornalístico-militante-empresarial e que desempenhou papel fundamental nos protestos desencadeados em junho pelo Movimento Passe Livre, o papel de organizar minimamente uma teia de informações e, através de imagens, inocular ânimo nos manifestantes.

Os que entrevistaram os representantes do movimento, porém, saíram do programa como chegaram: sem entendê-lo em sua essência, apesar de terem conseguido expor algumas de suas contradições.

Ainda assim, os entrevistadores dos rapazes do Mídia Ninja se perderam diante de sua loquacidade demolidora. A velocidade com que transmitiram informações complexas deixou a bancada do Roda Viva atônita e, na tentativa de reagir, ela desfechou alguns golpes que expuseram um lado desse movimento que tem sido criticado reiteradamente nesta página, mas que aqueles entrevistadores não puderam aproveitar porque ficaram tentando provar uma tolice. Qual seja, a de que o governo federal edificou a Casa Fora do Eixo e o seu braço Mídia Ninja através “da Petrobrás” etc.

A ombudsman da Folha de São Paulo, Suzana Singer, deu uma das maiores bandeiras ao questionar os Ninjas por terem se envolvido em protestos contra Alckmin – e, claro, contra a Globo, que quem perguntava não teve peito de citar –, porém se esquecendo de que esse coletivo que teve ao menos um simpatizante claro do PT como entrevistado também foi responsável por um processo em que quem mais sofreu desgaste foi o próprio PT.

Ou, mais especificamente, Dilma Rousseff.

Claro que qualquer tucano tentará desqualificar esta premissa de que a turma do Mídia Ninja e da Casa Fora do Eixo não tem viés petista, mas só porque não conhece o projeto, o que este que escreve conhece por ter estado lá várias e várias vezes, inclusive tendo dado entrevista a outro braço desse movimento, à Pós TV, mais especificamente a um programa que era conduzido pelo jornalista Lino Bocchini, da “Falha de São Paulo”, hoje na Carta Capital.

Por essa falta de visão, os entrevistadores não sabiam o que encontrariam ao entrevistar aqueles rapazes. O integrante do Mídia Ninja Pablo Capilé só surpreendeu com sua loquacidade a quem não o conhecia. Como o conheci ao longo da campanha eleitoral de 2012 e com ele participei de algumas reuniões, nunca tive dúvida de que ele daria muito trabalho a uma bancada do Roda Viva formada por gente que há muito se afastou de tudo o que não seja corporativo e que, assim, pensa um movimento como esse por uma lógica binária, quando teria que ser uma lógica exponencial.

O outro rapaz, Bruno Torturra, não estou certo de ter conhecido. Tenho a impressão de que sim, mas é só impressão. Contudo, não perde em nada para Capilé. Ambos são brilhantes e vivem em um mundo desconhecido para a mídia corporativa, em “tribos” de estudantes, artistas, intelectuais, políticos e ativistas de esquerda que não admitem lógica partidária por serem integradas por simpatizantes de partidos que vão do PT ao PSTU, passando pelo PSOL e congêneres.

No propósito de tentar carimbar os dois entrevistados do Roda Viva como “petistas financiados pelo governo”, os entrevistadores deixaram passar a chance de cobrar deles o grande defeito desse movimento, apesar de seu mérito recém-auferido por ter obrigado a mídia a se curvar graças a um seu senso de timing praticamente perfeito por saber instrumentalizar o sentimento de indignação que sobreveio dos excessos da PM contra os protestos lá no início de junho, o que inflou um movimento que nunca teria chegado ao tamanho que chegou se não fosse essa velha mania da direita que governa São Paulo de praticar arbitrariedades achando que, depois, será fácil varrer tudo para debaixo do tapete.

Os entrevistados revelaram fragilidades na questão da violência dos tais Black Blocs – o grupo que tem como lógica quebrar patrimônio público e privado como forma de pressão e que é completamente tolerado pelo movimento que os entrevistados do Roda Viva encabeçam. Fica cada vez mais claro que os Black Blocs têm um papel desejável por esse movimento, pois sem quebra-quebra as manifestações não teriam tido o poder que tiveram de coagir as autoridades.

Capilé e Torturra podiam até assumir mais claramente suas posições políticas pessoais, pois é tolice a individualidade política nesse movimento suprapartidário e, em alguma medida, supra ideológico, pois abriga da centro à extrema esquerda e, ainda por cima, aceita até marchar ao lado da direita se for para fazer número.

Há sempre que reiterar, porém, que os que quebram tudo o fazem sob uma ideologia descabida em uma democracia plena como a brasileira. Sua ideologia só teria lógica sob um regime arbitrário como o que o Brasil já enfrentou.

Politicamente falando, pois, o Mídia Ninja, o Passe Livre e assemelhados estão muito mais para oposição de esquerda a tudo isso que está aí, inclusive ao PT. Mas começam a mostrar que se prejudicaram o PT também pretendem prejudicar o PSDB, ainda que com certo atraso.

Dizer, no entanto, que esses rapazes servem ao PT porque a Petrobrás lhes deu dinheiro, é piada. Deu para a Casa Fora do Eixo – ou para as Casas Fora do Eixo – para produção cultural, assim como faz com tantos outros que financia na área da cultura. E já dava dinheiro a esse movimento muito, muito, muito antes de qualquer tipo de protesto contra Alckmin, Dilma, Cabral etc.

Muito ao contrário de ser petista, essa turma vem sendo um embaraço para o PT porque está infestada de gente do PSOL – e isso ninguém me contou, eu vi pessoalmente em churrascos na Casa Fora do Eixo de São Paulo, por exemplo, nos quais um Ivan Valente (PSOL) dividia espaço com um José Dirceu.

Dessa maneira, apesar de esse movimento estar sendo cortejado por setores amplos do PT por saberem de sua força neste momento, com o que conheço de tudo isso tenho a impressão de que o partido não sentiria nenhuma falta se Torturra, Capilé e todos os outros simplesmente virassem fumaça. Serão incensados enquanto forem fortes. E só.

Apesar dos pesares, então, esse programa Roda Viva exprimiu o primeiro confronto direto entre a velha e as novas mídias e estas vão mostrando que se baseiam em um processo que a indústria jornalística ainda não entendeu. E não é por falta de elementos, mas por sempre ter desprezado uma capilaridade da internet que gera exércitos engajados politicamente e que são compostos por soldados de alto nível cultural que se convertem em pequenos retransmissores que, juntos, compõem uma máquina gigante.

O que esses jovens estão fazendo na comunicação é, sim, salutar do ponto de vista da ruptura com as velhas fórmulas. Mas eles têm uma falha, e é grave.

Justamente por o movimento ter que abrir os braços a tudo devido à sua pretensa horizontalidade, acaba favorecendo uma direita que, se chegar ao poder, vai tratá-lo na base do chicote. E sem verbas da mamãe Petrobrás – que não comprou ninguém hoje, mas que discriminará amanhã em caso de vitória de um Aécio Neves – e um mínimo apoio do Estado, será bem mais difícil fazer mídia ninja, boxeadora, capoeirista ou coisa que o valha.

*

Assista, abaixo, ao programa Roda Viva de 5 de agosto de 2013, com os Ninjas da mídia alternativa.