Veja “decide” não divulgar áudio imaginário

Análise

 

Nenhum ser que não se apóie em quatro patas e que não zurre em vez de falar é capaz de engolir a patranha articulada pela revista Veja em sua edição do último fim de semana. É preciso ser muito estúpido ou muito descarado e mal-intencionado para levar a sério premissa que a publicação atribui a um autor que a desmente.

Infelizmente, gente burra ou mal-intencionada não falta por aí. Todavia, é preciso apostar na capacidade da maioria de usar um mínimo de bom senso e de lógica para analisar a acusação de Veja a Lula – e é disso que se trata – de que o ex-presidente seria o verdadeiro autor dos crimes que estão sendo julgados no Supremo Tribunal Federal.

Pode-se apostar na capacidade da maioria de perceber que a publicação produziu uma farsa porque, para todos os efeitos, está evidenciado que ou Veja não está de posse de áudio algum contendo entrevista de Marcos Valério acusando Lula de ser o chefe do mensalão ou o áudio que eventualmente possa ter não contém tal afirmação.

Rememoremos o episódio.

Veja publica uma capa que dá ao leitor que vê a revista na banca de jornal a sensação de que irá ler uma entrevista-bomba de Marcos Valério em que este acusa o ex-presidente Lula de chefiar o esquema do mensalão. Lendo a matéria, porém, esse leitor descobrirá que a acusação não tem autor, sendo atribuída a “amigos, parentes e associados” do publicitário.

Em seguida, em questão de horas, no próprio sábado em que a revista chega às bancas, o advogado de Valério divulga nota pública em que desmente que seu cliente esteja acusando Lula e nega que tenha sequer dado entrevista àquela publicação, ainda que esta jamais tenha dito que o entrevistou.

A partir daí, o caso vai ficando cada vez mais estranho. O que poderia ser uma entrevista clara, gravada, que não deixasse dúvida alguma, transforma-se em um emaranhado de ditos e desditos no qual uma segunda versão passa a ser difundida com o beneplácito de Veja.

E quem é que entra em campo mesmo? Aquele jornalista que vai se tornando conhecido por difundir acusações graves e difíceis de acreditar sem jamais apresentar as provas que primeiro prometera: Ricardo Noblat, blogueiro e colunista de O Globo, lança, no domingo, a segunda versão da acusação de Veja a Lula.

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VEJA decide se divulga fita com a entrevista de Marcos Valério

por Ricardo Noblat

A direção da revista VEJA está reunida para decidir se divulga ainda hoje em seu site a gravação da entrevista feita com Marcos Valério, um dos operadores do mensalão, onde ele aponta Lula como o chefe do esquema responsável pela arrecadação de algo como R$ 350 milhões para a compra de apoios políticos e o pagamento de despesas de campanha.

Foi na semana passada, em Belo Horizonte, que a  VEJA entrevistou Valério. E gravou a entrevista.

Marcelo Leonardo, o advogado de defesa de Valério no processo do mensalão, ficou sabendo depois e foi contra a publicação.

“Não é hora de dar entrevistas”, decretou ele. E com razão. Valério já foi condenado no Supremo Tribunal Federal por vários crimes. Pegará pena pesada. Mas ainda será julgado por outros.

A revista não concordou em jogar a entrevista no lixo. Ou em arquivá-la. Aí surgiu a ideia de se atribuir as declarações de Valério a amigos e parentes que as teriam ouvido diretamente dele. E reproduzido para a revista.

Na seção Carta ao Leitor, a revista afirma que não houve entrevista. Mas de Lula ao contínuo menos qualificado do PT, todo mundo sabe que Valério falou para a VEJA, sim.

É por isso que os petistas de quatro e cinco estrelas não caíram de pau na revista, muito menos em Valério. Sabiam que mais dia menos dia, Valério acabaria abrindo o bico.

Não querem provocá-lo a revelar mais do que já revelou. E muito menos agora – com um julgamento pela metade e uma eleição às portas.

O acerto de VEJA com Valério e o advogado passou também pela garantia dada pelos dois de que nada diriam que fosse capaz de pôr em dúvida o que a revista publicasse. Até porque eles leram com antecedência o que seria publicado – e aprovaram.

Ocorre que procurado por jornais, o advogado de Valério esqueceu o combinado.

Primeiro disse que Valério nem confirmava e nem desmentia o conteúdo da reportagem.

Depois avançou e disse que Valério não confirmava. Para ao cabo afirmar que ele desmentia.

Aí o caldo entornou – embora uma parcela da direção da VEJA ainda argumente que se deve honrar o compromisso assumido com Valério e o advogado de manter a fita em segredo.

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Como se vê, o colunista acha estranho que o advogado de Valério primeiro não confirmasse e só depois desmentisse Veja, mas não acha estranho que a revista minta ao público dizendo que obteve as informações de “amigos, parentes e associados” do publicitário quando, na verdade, teria obtido do próprio Valério.

Por que a Veja estava reunida em um domingo, então? Porque o desmentido de Valério, via seu advogado, é contundente. Afinal, jornalistas daquela publicação haviam espalhado que as palavras atribuídas a “amigos, parentes e associados” eram, em verdade, produto de entrevista daquele réu do julgamento do mensalão.

Eis que, na manhã de segunda-feira, surge, pela pena do mesmo blogueiro de O Globo, a terceira versão do caso. Noblat, relembro, é aquele jornalista que perdeu a chance imperdível de gravar em seu sofisticado celular insultos que alega terem sido proferidos contra si pelo ministro do STF José Antônio Dias Toffoli.

Abaixo, o blogueiro-colunista da família Marinho difunde nova versão dos fatos atribuindo ainda mais palavras e ações ao mesmo Valério que anda desmentindo toda essa gente sem ser contestado.

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A quarta cópia

por Ricardo Noblat

Dá-se a prudência como característica marcante dos mineiros.

Teria a ver, segundo os estudiosos, com a paisagem das cidadezinhas de horizonte limitado, os depósitos de ouro e de pedras preciosas explorados no passado até se esgotarem, e a cultura do segredo e da desconfiança daí decorrente.

Não foi a imprudência que afundou a vida de Marcos Valério. Foi Roberto Jefferson mesmo ao detonar o mensalão.

Uma vez convencido de que o futuro escapara definivamente ao seu controle, Valério cuidou de evitar que ele se tornasse trágico.

Pensou no risco de ser morto. Não foi morto outro arrecadador de recursos para o PT, o ex-prefeito Celso Daniel, de Santo André?

Pensou na situação de desamparo em que ficariam a mulher e dois filhos caso fosse obrigado a passar uma larga temporada na cadeia. E aí teve uma ideia.

Ainda no segundo semestre de 2005, quando Lula até então insistia com a lorota de que mensalão era Caixa 2, Valério contratou um experiente profissional de televisão para gravar um vídeo.

Poderia, ele mesmo, ter produzido um vídeo caseiro. De princípio, o que importava era o conteúdo. Mas não quis nada amador.

Os publicitários de primeira linha detestam improvisar. Valério pagou caro pelo vídeo do qual fez quatro cópias, e apenas quatro.

Guardou três em cofres de bancos. A quarta mandou para uma das estrelas do esquema do mensalão, réu do processo agora julgado pelo Supremo Tribunal Federal.

Renilda, a mulher dele, sabe o que fazer com as três cópias. Se Valério for encontrado morto em circunstâncias suspeitas ou se ele desaparecer sem dar notícias durante 24 horas, Renilda sacará dos bancos as três cópias do vídeo e as remeterá aos jornais O Estado de São Paulo, Folha de S. Paulo e O Globo. (Sorry, VEJA!)

O que Valério conta no vídeo seria capaz de derrubar o governo Lula se ele ainda existisse, atesta um amigo íntimo do dono da quarta cópia.

Na ausência de governo a ser deposto, o vídeo destruiria reputações aclamadas e jogaria uma tonelada de lama na imagem da Era Lula. Lama que petrifica rapidinho.

A fina astúcia de Valério está no fato de ele ter encaminhado uma cópia do vídeo para quem mais se interessaria por seu conteúdo. Assim ficou provado que não blefava.

Daí para frente, sempre que precisou de ajuda ou consolo, foi socorrido por um emissário do PT. Na edição mais recente da VEJA, Valério identifica o emissário: Paulo Okamotto.

Uma espécie de tesoureiro informal da família Lula da Silva, Okamotto é ligado ao ex-presidente há mais de 30 anos.

No fim de 2005, um senador do PT foi recebido por Lula em seu gabinete no Palácio do Planalto. Estivera com Valério antes. E Valério, endividado, queria dinheiro. Ameaçava espalhar o que sabia.

Lula observou em silêncio a paisagem recortada por uma das paredes envidraçadas do seu gabinete. Depois perguntou: “Você falou sobre isso com Okamotto?”

O senador respondeu que não. E Lula mais não disse e nem lhe foi perguntado. Acionado, Okamotto cumpriu com o seu dever. Pulou-se outra fogueira. Foram muitas as fogueiras.

Uma delas foi particularmente dramática.

Preso duas vezes, Valério sofreu certo tipo de violência física que o fez confidenciar a amigos que nunca, nunca mais voltará à prisão. Prefere a morte.

Valério acreditou que o prestígio de Lula seria suficiente para postergar ao máximo o julgamento do processo do mensalão, garantindo com isso a prescrição de alguns crimes denunciados pela Procuradoria Geral da República.

Uma eventual condenação dele seria mais do que plausível. Mas cadeia? E por muito tempo?

Impensável!

Pois bem: o impensável está se materializando. E Valério está no limiar do desespero.

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Valério desmente tudo, mas o fato é que, em um momento em que sofre condenação após condenação, é evidente que não irá abrir processo contra Veja. E mesmo que abrisse, seria só mais um dos muitos processos a que a revista responde sob acusação de inventar ou distorcer fatos em suas matérias.

Veja poderia abrir uma investigação contra Lula, se quisesse – ou se pudesse. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, admitiu que, se confirmadas as acusações de Valério, isso bastaria ao Ministério Público para abrir processo contra o ex-presidente. Todavia, matéria divulgada na segunda-feira pelo Portal Imprensa relata que a revista decidiu não divulgar o áudio imaginário.

Abaixo, a matéria.

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“Veja” decide não divulgar áudio de entrevista com Marcos Valério, diz jornalista

Portal Imprensa

Jéssica Oliveira

A matéria de capa da edição 2287 da Veja sobre as declarações de Marcos Valério acerca dos envolvidos no mensalão gerou duras críticas à publicação. Na sequência, ganhou repercussão nacional quando a revista primeiramente negou e depois garantiu ter falado diretamente com o réu para construir a reportagem. 

Segundo o blog do jornalista Ricardo Noblat, a direção da revista Veja poderia divulgar em seu site a gravação da entrevista feita com Marcos Valério. Na entrevista, ele teria apontado o ex-presidente Lula como o chefe do esquema do mensalão.

 De acordo com jornalista, o diretor da revista em São Paulo queria divulgar a gravação, enquanto uma parcela da direção da Veja argumentou que deveriam honrar o compromisso assumido de mantê-la em segredo.

No fim, prevaleceu a opinião do diretor da sucursal da revista em Brasília, um dos autores da entrevista, “que não viu no acanhado desmentido do advogado motivo suficiente para que se rompesse o acordo de manter a fita em segredo”, escreveu Noblat.

Acordo

Na seção Carta ao Leitor, a revista afirma que não houve entrevista. No entanto, Noblat afirmou que Veja entrevistou Valério e gravou tudo, mas quando o advogado de defesa do réu do processo do mensalão, Marcelo Leonardo, ficou sabendo, foi contra a publicação da reportagem. 

Como a revista não aceitou arquivar a entrevista, para solucionar o impasse decidiu que as declarações de Valério seriam atribuídas a amigos e parentes, que as teriam ouvido diretamente dele.

O acerto de Veja com Valério e o advogado teve a garantia dos dois lados e que não colocariam em dúvida o que a revista publicasse, uma vez que os dois leram com antecedência o que seria publicado e aprovaram.

Mas, quando o advogado de Valério foi procurado pela imprensa, “esqueceu o combinado”, afirmou o jornalista. Primeiro disse que seu cliente nem confirmava e nem desmentia o conteúdo da reportagem. Depois afirmou que Valério não confirmava.

Procurada, para se pronunciar sobre o caso, a assessoria da Editora Abril disse que não vai se manifestar sobre o assunto, nem revelou se a revista divulgará o áudio da entrevista.

* Com supervisão de Vanessa Gonçalves

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Analisemos, pois, a situação. Se formos acreditar que Veja entrevistou Valério e que ele disse mesmo tudo que a revista e o blogueiro de O Globo relatam, por certo houve quebra de acordo, pois, do contrário, o publicitário não teria desmentido que acusou Lula ou que tem os tais vídeos que o prejudicariam.

Se Veja já quebrou algum eventual acordo com Valério, levando-o a desmentir qualquer relação com a revista, por que não acabar com as dúvidas estridentes que se levantaram sobre a veracidade de sua entrevista?

Tanto é prova que a reportagem de Veja foi recebida com ceticismo que seus editores e jornalistas se reuniram no domingo para considerar a possibilidade de divulgar o áudio imaginário e, oh que surpresa!, optaram pelo bom-mocismo de não romperem o suposto “acordo” com Valério, o qual já teria sido rompido, se tivesse existido.

A fragilidade da matéria só fez colocar mais uma mão de terra na cova da credibilidade da Veja. Segundo a repórter da revista Carta Capital Najla Passos, ela travou o seguinte diálogo com um ministro do STF sobre a matéria de Veja:

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Perguntado se havia visto a matéria da Veja, um ministro do STF respondeu, em off.

– Vi. Mas vi também que é uma matéria em super off, né?, ironizou.

Questionado sobre que repercussão a reportagem teria sobre o julgamento, disse:

– Até agora nenhuma, ninguém falou. O que é relevante para nós aqui é o que está nos autos, não o que está em jornal, revista.