Uma decisão para Victoria

Crônica

 

Este texto se dirige aos inúmeros amigos que fiz através da internet durante os quase oito anos em que exerço a atividade de blogueiro. Refere-se à minha filha de 13 anos, Victoria Guimarães, portadora de espécie severa de paralisia cerebral (simplificando), e a uma decisão que com a minha família terei que tomar sobre a menina.

A quarta-feira foi um dos piores dias da minha vida. E não é nem pelo fato de Victoria ter adoecido novamente – acaba de contrair a 11ª pneumonia desde setembro de 2009, quando sua doença se agravou –, mas por conta de fato que nos foi comunicado pelo pneumologista que investiga as causas desse quadro.

Em verdade, não é uma questão nova. Há pelo menos dois anos sabemos que a hora de decidir chegaria. Chegou. Temos que decidir sobre a adoção de procedimento que Victoria teria que fazer para prolongar sua vida, mas que a faria perder uma parcela quase inaceitável de sua qualidade de vida. Escrevo, pois, em busca de subsídios para tomar tal decisão.

Antes de prosseguir, também devo deixar claro que não é uma decisão que tomarei sozinho. Em princípio – inclusive do ponto de vista legal –, cabe ao pai e à mãe de Victoria decidirem. Todavia, em minha família, a decisão caberá também aos nossos outros três filhos – todos crescidos.

Mas como, nesses momentos, as pessoas diretamente envolvidas acabam correndo o risco de não raciocinarem de forma totalmente adequada – e, muitas vezes, de raciocinarem de forma completamente inadequada –, decidi apelar a leitores e amigos que têm dividido comigo as agruras que a grave enfermidade que acomete Victoria impõe a ela e aos seus.

A partir de setembro de 2009, a doença de Victoria – que se manifestou por volta de seus 18 meses de vida – agravou-se consideravelmente. Desde aquele mês terrível até hoje, somando-se todas as internações hospitalares que ela sofreu por pneumonias, provavelmente terá ficado mais tempo no hospital do que fora dele – na maior parte das vezes, na UTI.

No ano do agravamento da doença, Victoria começou a ter pneumonias por conta de um fenômeno chamado broncoaspiração.

Esse fenômeno consiste em entrada de substâncias estranhas nas vias aéreas inferiores. Pode ocasionar diversos tipos de pneumonia, dependendo da natureza e quantidade do que for aspirado. Normalmente, o problema surge durante as etapas de deglutição de alimentos, mas também ocorre por conta de passagem de saliva para o pulmão.

A entrada de saliva ou de qualquer outro corpo estranho no pulmão gera pneumonia. Isso se deve ao cérebro de Victoria, que não controla seu organismo como deveria não só em relação à deglutição, mas em relação aos membros, ao crescimento, ao desenvolvimento, à imunidade etc.

Em pessoas com problemas neurológicos dessa gravidade, o índice de óbito em caso de pneumonia grave, segundo os médicos, chega a terríveis 90%. Ou seja, já em 2009 havia que reduzir ao máximo a chance de Victoria contrair pneumonias. Para tanto, tentaram-se alguns procedimentos altamente invasivos e dolorosos.

Tentou-se seccionar as glândulas salivares para atenuar a broncoaspiração de secreções bucais, mas não era suficiente. A menina teve que parar de se alimentar pela boca. Sofreu, então, procedimento chamado gastrostomia, que consiste na perfuração do abdome na altura do estômago para que por ali seja injetada alimentação pastosa, água e até medicamentos.

A partir de então, o ritmo das pneumonias diminuiu. Mas não parou. Ao não parar, a cada um desses eventos o pulmão se compromete mais um pouco e aumentam as chances de sobrevir uma pneumonia de maior gravidade – o que, graças a Deus, até hoje não ocorreu –, com as consequências acima descritas.

Após a última pneumonia, que ocorreu há pouco mais de quatro meses e gerou internação de Victoria em UTI por três semanas, a família foi orientada a procurar um pneumologista especializado em crianças e adolescentes para investigar o estado de seu pulmão esquerdo – aquele que está comprometido e no qual ocorreram todas as pneumonias.

Na quarta-feira (15), concomitantemente à nova pneumonia, o especialista comunicou que devemos, os familiares, tomar decisão que ainda não sabemos se pode ser mais dolorosa para nós ou para a menina.

O pneumologista explica que todos broncoaspiramos, mas a maioria de nós, os saudáveis, temos recursos no organismo, comandados pelo cérebro, que permitem evitar que essa broncoaspiração se converta em pneumonia. Essa capacidade também varia de acordo com o estado físico e a idade de cada um.

No caso de Victoria, para reduzir consideravelmente a possibilidade de broncoaspirações – reduzindo, assim, as probabilidades de sobrevirem pneumonias – só resta um procedimento (terrível) chamado esofagostomia, que consiste em perfurar a garganta do paciente de forma a desviar o duto por onde as secreções bucais podem passar para os pulmões.

O efeito imediato disso é uma redução imensurável na qualidade de vida do paciente – houve médicos que compararam esse procedimento, em alguém como Victoria, a passar a levar uma vida meio que vegetativa…

Segundo os médicos, quando a situação chega a esse ponto algumas famílias adotam a postura filosófica de que o que importa é manter a vida a qualquer preço, ainda que a esofagostomia, por si só, não garanta que não ocorrerá nenhuma broncoaspiração – apenas haverá uma redução da possibilidade de ocorrer.

Outras famílias, porém, preferem que o paciente tenha maior qualidade de vida enquanto for possível e, depois, que a natureza siga seu curso – ou seja, assumem o risco de ocorrer uma pneumonia grave que pode acarretar, entre outras coisas, uma septicemia (infecção generalizada), que, repito, em casos como o de Victoria pode lhe ceifar a vida.

Em outros momentos difíceis recorri aos leitores-amigos para desabafar ou para que me ajudassem a decidir, como quando houve que decidir sobre a gastrostomia. Agora, recorro de novo. Preciso ouvir outras opiniões.

Podem ser opiniões de leigos ou de iniciados. Não importa, pois a questão é mais filosófica e, inclusive, análoga à eutanásia. Pode parecer que essa é uma decisão exclusiva da família, mas, como já disse, há momentos em que aqueles que estão diretamente envolvidos não têm condições emocionais de pensar claramente.

Agradeço aos que colaborarem.

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PS: a partir das 12 horas desta quinta-feira (16) não terei mais como responder aos comentários um a um, como fiz até essa hora, porque Victoria piorou e está indo ao hospital para ser internada e, de lá, pelo celular, só o que conseguirei será liberar comentários, mas responder será difícil. Agradeço de coração a todos os comentários até aqui recebidos e aos que vierem.