Thor deve ter o tratamento que Wanderson teria se o matasse

Análise

Li e ouvi todo tipo de análise sobre o acidente envolvendo Thor, de vinte anos, filho de Eike Batista, e um cidadão sobre o qual pouco se sabe além do nome, Wanderson Pereira dos Santos, de trinta anos. Algumas dessas análises se inclinaram pela culpa da vítima, outras pela de quem atropelou, algumas poucas tentaram ficar em cima do muro e houve até politização do caso ao dizerem que estariam tentando atingir o atropelador devido às ligações políticas de seu pai.

Uma dessas opiniões causou-me espécie. Alguém escreveu – não exatamente com estas palavras, mas neste sentido – que “toda vez” que um rico ou famoso é acusado de algum crime logo se levanta uma onda de linchamento contra ele. Dito assim, a gente logo pensa em uma caça às bruxas que haveria contra os ricos, quando o que há de fato, no Brasil, é uma plutocracia em que ricos jamais respondem por seus crimes.

A menos que tenham prejudicado a outro rico.

Uma quadrilha de jovens de classe média alta, com pais “influentes”, ateou fogo ao corpo adormecido de um índio, há pouco mais, pouco menos de uma década. Nada de muito severo aconteceu com eles. Ficaram alguns poucos anos em prisão domiciliar, que as notícias mostram que jamais cumpriram direito, e seguiram com suas vidas, apesar de terem sido autores de uma cena de filme de terror.

Esses assassinos hediondos estão soltos na sociedade, hoje, sem que se saiba se não continuam sendo os sociopatas que eram. E, além disso, a impunidade relativa com que foram brindados vem estimulando novas fogueiras humanas de moradores de rua.

Ah, eram jovens, certo? Bem, se quiserem um exemplo de impunidade de gente sem a desculpa da juventude, vejamos o caso de Pimenta Neves, ex-diretor de Redação do jornal O Estado de São Paulo que assassinou uma ex-namorada pelas costas e, ao fim e ao cabo, deverá ficar não mais do que dois anos, dois anos e pouco na cadeia. E ninguém falou mais do assunto.

Ou vejamos o caso do juiz Nicolau dos Santos, o Lalau, que ficou alguns anos “preso” em sua mansão pelo  roubo desbragado de dinheiro público que pôde praticar usando como instrumento a magistratura, em um caso bizarro que debocha da sociedade e que encerra uma significação cinematográfica.

Ainda assim, o Estado de Direito obriga o cidadão cioso de seus deveres a não se esquecer de que nada de bom resulta dos linchamentos. Nem quando a culpa do acusado é altamente verossímil as turbas enfurecidas servem para alguma coisa, pois só servem para conferir ao condenado uma aura de possível inocência e para gerar em setores da sociedade a sensação de que a justiça pode não ter sido feita.

O mais correto, se os ritos legais e a severidade exigível nesse caso fossem seguidos à risca, seria deixar que se assentasse, de maneira que as investigações pudessem transcorrer em clima de isenção e, assim, produzissem um resultado confiável para a sociedade. Seria muito melhor do que as pessoas ficarem produzindo laudos e acusações sem um só elemento além do próprio achismo.

Todavia, há indícios de que há uma movimentação para abafar o caso todo, o que gera a justificável suspeita de que a boa e velha plutocracia brasileira entrou de novo em campo.

Há elementos de sobra para que as pessoas possam supor que esse abafamento pode estar em curso, tais como a perícia malfeita no carro que atropelou o ciclista, a própria liberação do bólido pela polícia, quando deveria ter sido apreendido e mantido até o esclarecimento do caso, e, por fim, existe a não-cassação da carteira de motorista de Thor, cheia de infrações de trânsito causadas por nada mais, nada menos do que excesso de velocidade, o que se explica pelo fato de que o rapaz dirige carros que atingem a velocidade de um Fórmula 1 em um país em que não se pode dirigir a mais de 120 km/h.

Diante dessas defesas apressadas ou exóticas que, compreensivelmente, fez o pai de Thor, quase criminalizando a vítima ao acusá-la de ter dirigido a sua “perigosa” bicicleta de uma forma que poderia ter causado ao seu filho o que foi ele quem causou, ou diante da benevolência e liberalidade de autoridades que deixaram a única fonte de provas escapar por entre seus dedos, só resta pedir respeito aos direitos do ciclista sem rosto e nome, bem como aos de sua família.

O que se pede para Thor não é nada mais do que teria recebido o falecido Wanderson caso, por exemplo, estivesse dirigindo um caminhão, atingisse o carro do filho do bilionário e lhe tirasse a vida. Será que um pobre ou seu veículo seriam liberados da mesma forma? Será que tantos se levantariam em sua defesa? Sua família teria a voz tonitruante que Eike exibe em defesa do filho? Quem acha que a palavra “não” responde a tais questões, entende meu ponto de vista.