A mão que massacra é a mesma que vota

Crônica

Estou em um mau dia. Talvez escrevendo consiga afastar essa sensação insuportável de revolta e impotência que persiste há vários dias e que não dá sinais de querer amainar. E o pior é que, fustigado por esses sentimentos, não consigo me dedicar ao que faço para ganhar a vida.

Na segunda-feira, quando fui a São José dos Campos para ouvir depoimentos e colher denúncias dos flagelados do Pinheirinho, conversei com outras pessoas que lá estiveram com a mesma finalidade e elas me disseram que se sentiam da mesma forma. Parecia que estávamos em um velório.

Hoje, liguei para alguns daqueles com os quais dividi a missão de tentar dar voz ao povo massacrado pelos que elegeu. Como acontece comigo, todos continuam se sentindo da mesma forma.

Chego a sentir inveja dos comentaristas deste blog que conseguem vir aqui fazer piadas com o sofrimento daquela gente e até comemorá-lo. Gente desalmada talvez sofra menos na vida. Alguém sem sentimentos talvez não possa ser magoado…

Mas o que dói mesmo é saber que a mão que massacra o povo pobre do Brasil é a mesma que estende o indicador para premer o botão de voto na urna eletrônica. Ou não é aquele em quem o povo vota que massacra esse mesmo povo?

Quem votou em um lunático como Geraldo Alckmin, alguém que chega ao ponto de dizer que aquelas pessoas que viviam em habitações precárias agora vivem de forma digna? São os mesmos que ele está massacrando, ora.

E a gente não pode nem descansar de uma desgraça que aparece outra. Uma passadinha de olhos pelo Twitter e aparece a desocupação de um prédio na esquina da avenida Ipiranga com a avenida São João. Na matéria, a informação de que 230 famílias seriam jogadas na rua.

O Executivo e o Judiciário, que deveriam acabar com o problema da população de rua, são os mesmos que jogam pessoas na rua, entendem? Aliás, até o povo maltratado, que deveria proteger a si mesmo, não apenas não se protege, mas vota nos Alckmins da vida…

Mais uma olhada nas redes sociais e aparece o caso da mulher grávida que foi presa, entrou em trabalho de parto, foi levada ao hospital e lá deu à luz… ALGEMADA!

Quem disse que o Brasil saiu da ditadura? As violências que o Estado praticava em favor de um número infinitesimal de ricos contra a gigantesca massa de pobres, continuam idênticas. Torturas, execuções sumárias, estupros, expulsão de famílias de suas casas. Tudo igual.

A democracia, no Brasil, é uma fachada, uma mentira, simplesmente não existe. Conto da carochinha. Lenda. Que democracia? Houve democracia no Pinheirinho, em 22 de janeiro? Nem Deus estava lá…

E pensar que por todo o país, o tempo todo, acontecem coisas parecidas. Talvez não tanto, não tão frequentemente e com a dimensão que em São Paulo, pois não há outro lugar, neste país, que tenha um povo que goste tanto de sofrer. Mas acontecem.

E, muitas vezes, o silêncio de autoridades diante desses massacres ocorre porque elas têm o rabo preso. Ou, ao menos, não têm coragem de confrontar esse amaldiçoado status quo, o famigerado “sistema”. Acabaram-se, pois, os heróis, os idealistas…

Sim, este país precisa de heróis. Infelizmente, pois, como dizem, pobre do país que precisa de heróis. E este país precisa. Muito. Um herói que se projete ao ponto de sua voz não poder ser ignorada e que não hesite em ficar do lado certo na hora certa.

Lula foi um protótipo de herói. Fez mais do que qualquer outro já fez no sentido de ao menos dizer o que deveria ser dito, apesar de ter logrado reduzir a injustiça de forma prática e não apenas retórica. Mas faltou muito para chegar a ser o herói de que o Brasil precisa.

Não o culpo. Suas dificuldades foram maiores do que a maioria dos políticos enfrentaria se tentasse fazer o que ele fez. Sua origem o debilitou tanto quanto debilita a qualquer outro que vem da pobreza extrema. O preconceito é uma entidade sobrenatural.