Pela 2ª vez no ano, PM é acusada de “plantar” coquetéis molotov

denúncia

É muito grave a acusação que vem sendo feita à Polícia Militar de ter sido a verdadeira autora da depredação do andar inferior do prédio da Reitoria da USP e de ter “plantado” ali os coquetéis molotov exibidos incessantemente pela grande imprensa como “provas” das intenções supostamente “criminosas” de estudantes que teriam como objetivo combater a presença da corporação militar no campus para poderem “fumar maconha à vontade”.

A obscura ação da Polícia Militar, estranhamente feita enquanto o dia nem tinha amanhecido, precisa continuar sendo discutida e investigada, pois o Brasil está às portas de um evento de repercussão mundial que, a persistirem supostos métodos criminosos que vêm sendo atribuídos a uma corporação que deveria defender e aplicar a lei, poderá evoluir para uma grave crise política e para o tão ambicionado (pela mídia e pela oposição) fiasco da Copa de 2014 justo no ano em que será eleito o sucessor da presidente Dilma Rousseff.

Não é a primeira vez, em 2011, que esses improváveis coquetéis molotov aparecem na mídia como tendo sido encontrados com militantes políticos (sem necessária conotação partidária) que desafiaram a Polícia Militar. Em março deste ano, militantes do PSTU foram presos no Rio de Janeiro por protestarem contra a visita do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Da mesma forma que na recente desocupação da reitoria da USP, os manifestantes foram acusados de serem os donos daqueles artefatos.

Tanto em um caso quanto no outro, os manifestantes negaram e negam, veementemente, a posse de tais artefatos. No caso da USP, os acusados pela PM também negam, com a mesma ênfase, a autoria da depredação do andar inferior do prédio da Reitoria, que atribuem à própria Polícia. Todavia, o outro lado não foi ouvido pela imprensa ou, se foi, o que disse não teve, nessa mesma imprensa, o peso equitativo.

Para quem eventualmente achar que aqui se comete algum exagero, vale a pena ler, abaixo, a última coluna dominical da ombudsman da Folha de São Paulo, Suzana Singer. Apesar de a jornalista ter ficado restrita a dogmas da posição “oficial” da imprensa, deixou escapar o reconhecimento de que essa mesma imprensa sufocou o debate sobre os méritos da invasão e a própria liberdade de expressão ao não dar voz aos reprimidos pela Polícia.

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FOLHA DE SÃO PAULO

13 de novembro de 2011

A ‘imprensa burguesa’ no campus

SUZANA SINGER

No debate polarizado sobre a USP, a Folha poderia ter investigado mais e ajudado a combater generalizações Os estudantes revoltados da USP invadiram o noticiário na semana passada e ocuparam as primeiras páginas com seus rostos cobertos e um radicalismo juvenil. Na terça-feira, foram vistos rendidos pela Tropa de Choque, mãos atrás da cabeça, a caminho da delegacia. A reação da opinião pública -leitores, colunistas e editoriais- foi de repúdio veemente aos alunos, chamados de “delinquentes mimados”, “playboys” e “bebês da USP”.

A decisão de ocupar a reitoria foi antidemocrática, os invasores não se preocuparam em defender publicamente suas posições, mas a reação foi desproporcional.

A notícia parece ter destampado uma fumaça de antipatia pela melhor universidade do país, vista como “ilha da fantasia”: uma enorme área verde, na cinzenta São Paulo, aberta só aos que têm carteirinha, que, insatisfeitos em estudar de graça, aprontam sempre que possível.

Nesse cenário polarizado, caberia à imprensa ir fundo, investigar e desfazer preconceitos. Resgatar a racionalidade perdida.

Parece que a maior parte da comunidade universitária defende a presença da PM no campus (para ter certeza, só com uma pesquisa), mas será que os policiais estavam agindo corretamente? Há relatos de que eles revistavam mochilas, abordavam pessoas lendo ou conversando, davam incertas dentro das moradias estudantis.

A própria reitoria admitiu que o convênio com a Secretaria da Segurança Pública precisava ser “aperfeiçoado”, mas, em vez de levantar como foi o treinamento e a orientação dados aos policiais, o noticiário foi tomado por um bate-boca sobre a liberalização de drogas na Cidade Universitária, com a acusação de que os uspianos se consideram acima da lei.

“Quando surgiram as primeiras notícias, achei absurda a mobilização estudantil, parecia que eles só queriam continuar fumando maconha em paz. Depois da desocupação da reitoria, fui às assembleias e soube de desmandos da polícia. Não mudei de opinião, não inventaram nada melhor que a polícia para pôr nesse lugar, mas certas colocações dos alunos fazem sentido. Isso não apareceu na grande mídia”, diz o professor de geografia Carlos Santos Machado Filho, 32, aluno de pedagogia na USP.

Não deu para entender direito também quem são esses ultrarradicais que xingam colegas do PSOL e do PSTU de “cabo Anselmo”. Perfilá-los não era mesmo fácil. Eles trataram mal os jornalistas, com silêncio, empurrões e pedradas. “É proibido passar informação para a imprensa burguesa”, anunciou uma estudante às repórteres da Folha, na porta da reitoria ocupada.

Sem um discurso articulado dos invasores – “Ocupe a reitoria que existe em você” era um dos slogans –, todo tipo de preconceito veio à tona. Eles seriam adolescentes mal-agradecidos, educados com o dinheiro dos impostos que todos nós pagamos. Em artigo na sexta-feira, a advogada Janaina Conceição Paschoal critica os jovens revoltados que “ostentaram roupas de grife e automóveis novos”.

É uma generalização estranha, porque os alunos de maior poder aquisitivo estão, em geral, nos cursos de engenharia, economia e medicina, não em filosofia, ciências sociais, história e letras, de onde saíram os indignados.

Agora que os rostos apareceram, a reportagem poderia descobrir onde moram essas pessoas, como se sustentam e o que pensam. “Dizer que a USP atende só à elite é uma crítica despreparada e desrespeitosa. A discussão sobre o que ocorreu na universidade está reducionista e mesquinha”, critica Emídio Marques de Matos Neto, 32, doutorando em biologia celular na USP, que se opôs à ocupação da reitoria.

A Folha teve o mérito de não contaminar as reportagens com opinião, mas não conseguiu clarificar o debate nem combater as generalizações. O jornal poderia ter se esforçado e feito a diferença, tem know-how para isso. A discussão sobre o que ocorre na Cidade Universitária, como se viu pela repercussão, não interessa apenas aos que estudam e trabalham ali.

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Como se vê, há, no mínimo, razões para crer que alguma coisa está muito estranha, nesse caso. Imprensa censurando um dos lados e agindo quase que em sintonia com a polícia, chegando ao campus da USP junto com ela no dia de sua polêmica ação de desocupação do prédio da Reitoria, acusações de que provas teriam sido forjadas e “plantadas”…

A questão se agrava quando se analisa o episódio de março, no Rio de Janeiro, quando outros artefatos como os encontrados na USP foram apresentados pela Polícia como tendo sido “encontrados com os manifestantes”. Os mesmos coquetéis molotov.

É nesse ponto que se deve refletir sobre como é inaceitável que a prática de forjar e “plantar” provas seja levada a cabo pelo Estado através de uma corporação militar. A mera possibilidade de que tal tenha ocorrido – e, nesse contexto, polícia “plantar” provas nunca foi uma acusação polêmica, existindo vários casos conhecidos que provam que isso ocorre – configura legítimo atentado à democracia e ao Estado de Direito.

Detalhe: sobre a acusação da PM aos manifestantes do PSTU presos em março de que estavam de posse de coquetéis molotov e outros artefatos belicosos, até hoje não foi provado nada. Os manifestantes continuam negando a posse daqueles artefatos. E o caso sumiu da mídia.

Espera-se que essa investigação seja levada a cabo para apurar até o fim as acusações contra a Polícia Militar feitas não só pelos estudantes que ocuparam o prédio da Reitoria da USP recentemente, mas, também, pelos que se manifestaram contra a visita de Barack Obama ao Brasil no início do ano. Se isso não ocorrer, este blog e o Movimento dos Sem Mídia garantem que alguém provocará o Ministério Público Federal.