Machões paulistanos fazem “troca-troca” na Câmara

Crônica

Devo pegar carona em texto que considerei magnífico e altamente útil em um momento constrangedor para a cidade de São Paulo. É do colunista da Folha de São Paulo Fernando de Barros e Silva, aquele que, quando o encontrei pessoalmente num evento público, disse que minhas “posições” seriam “primárias”.

Não guardei raiva, Fernando. Pelo contrário: quando alguém diz honestamente o que pensa, como você disse sobre mim, até respeito, por mais que divirja. Isso sem falar de que andaram me dizendo que  você é um dos que, apesar de militar no Partido da Imprensa Golpista, faz isso convictamente e não por interesse.

Antes de prosseguir no norte deste post, não posso deixar de reproduzir, abaixo, o divertido, inteligente e preciso texto desse senhor do qual divirjo fortemente, mas que, com o que escreveu, ganhou-me disposição para tentar levá-lo mais a sério no futuro… No caso de ele mesmo se ajudar.

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FOLHA DE SÃO PAULO

5 de agosto de 2011

Ai, que machões!

FERNANDO DE BARROS E SILVA

SÃO PAULO – Em matéria de política, o vereador Carlos Apolinário é um grande adepto do troca-troca.

Já esteve no PMDB, passou por um tal PGT, frequentou o PDT e hoje se abriga no DEM. Apesar disso, Apolinário é um homem de convicções. Acaba de conseguir aprovar o Dia do Orgulho Heterossexual, que o mobiliza desde 2005.

De 55 vereadores, 31 machões votaram a favor da data comemorativa -um monumento à homofobia chancelado pela casa legislativa da maior cidade do país. Não deixa de ser um exemplo triste mas também cômico de sucupirização explícita da Câmara Municipal de São Paulo.

Cada um dos marmanjos recebe por lá R$ 15.033 mensais de salário, mais R$ 16.359 de verba de gabinete para custear despesas várias. Somando-se a bolada com a verba dos assessores, cada vereador custa aos cofres públicos R$ 115 mil por mês.

Esses senhores gravitam em torno de seus interesses, à margem da formulação de políticas públicas ou do planejamento estratégico da cidade. Operam no balcão, muitos deles especialistas em criar dificuldades para vender facilidades.

Não lhes faltou tempo nem energia para aprovar esse disparate, de fazer corar Jece Valadão. Os heterossexuais não são uma minoria, nem quantitativa nem sob o aspecto comportamental. Não existe discriminação -piadas, humilhações, ameaças e agressões, físicas ou morais- a casais ou pessoas hétero.

Mas essa não é apenas uma lei inútil. Trata-se de uma iniciativa nociva, que, a pretexto de “resguardar a moral”, atiça o preconceito, incorporando-o ao calendário oficial da cidade. Seria como inventar o Dia da Consciência Branca.

Ao reivindicar um direito que nunca esteve ameaçado, o que se visa é bombardear direitos inexistentes ou em gestação. Essa fascistada representa menos uma data a ser celebrada do que um passe livre para que nos demais 364 dias do ano o macho ameaçado pela própria homofobia possa exercitar as várias faces da sua intolerância.

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O mérito de Fernando está no humor que imprimiu ao texto – provavelmente a única forma de encarar uma medida como a tomada pelo legislativo paulistano em nome de toda a cidade mais rica, moderna e desenvolvida do país e que, vista de fora, mancha sua imagem internacional.

O conteúdo da coluna do jornalista da Folha já era largamente comentado nas redes sociais e até nas ruas. Criar um dia para reafirmar que um setor da sociedade não deve ter vergonha do que é, só se justifica se tal setor for discriminado. Como nunca existiu a menor discriminação a alguém por ser heterossexual, branco, rico ou do Sul e do Sudeste, essa lei é ridícula.

Quem sofre discriminação, neste país, são homossexuais, negros, pobres, nordestinos e nortistas. Esses precisam, sim, reafirmar que não têm vergonha de serem o que são e que, pelo contrário, sentem orgulho das próprias naturezas.

Foi excelente, portanto, que o colunista da Folha tenha se valido do humor para tratar essa situação, porque mostrou que a decisão eleitoral do povo da capital paulista de levar ao poder bestas quadradas (não no sentido geométrico, mas no social) como esses 31 vereadores, agora nos expõe a todos como idiotas, preconceituosos e atrasados.