Dente de coelho

Análise

A expressão “dente de coelho”, atualmente em desuso, exprime armadilha ou artimanha oculta que exige tirocínio para ser identificada e desarmada. “Aí tem dente de coelho”, dizia-se antigamente. O dente do animal costumava ser associado ao seu espírito arguto, sagaz, matreiro. Hollywood imortalizou essa imagem com o “Coelho Pernalonga”, que infernizava os inimigos com a sua esperteza.

Leio editorial da Folha de São Paulo e, em O Globo, artigo do “imortal” Merval Pereira. Ambos coincidem na teoria de que a “faxina” que a presidente Dilma Rousseff estaria promovendo em seu governo estaria lhe aumentando (?) a popularidade ou mantendo-a elevada. Contudo, ambos vendem a tese de que a prática que estaria rendendo essa popularidade pode não ser suficiente para impedir que seja perdida logo adiante.

Nesses dois textos, há dentes de coelho. São ilógicos. Aludem a um aumento de popularidade de Dilma por conta da tal “faxina” que peço a alguém que me diga onde está expresso.

É no mínimo estranho que dois dos braços mais ativos da mídia associada ao PSDB que vêm fustigando os últimos três governos federais do PT e apoiando escancaradamente os tucanos em todas as eleições desde 1994 agora insistam no que sempre tentaram negar ou empanar, isto é, na popularidade de governos petistas.

Reproduzo, pela ordem, editorial da Folha e, em seguida, artigo de Merval Pereira. Os textos mostram ação conjunta no sentido de vender a teoria de que o processo que a presidente está conduzindo lhe estaria sendo benéfico apesar de que o que se vê é exatamente o oposto. Ressalto em negrito, em cada texto, seus pontos chaves. E, ao fim de cada um, comento os tópicos ressaltados.

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Folha de São Paulo

16 de agosto de 2011

Editorial

Presidente colhe dividendos de popularidade com “faxina” na Esplanada, mas sua gestão mal começou a enfrentar os grandes problemas do país

A popularidade de Dilma Rousseff permanece alta, como verificaram pesquisas de opinião tanto do Datafolha quanto do Ibope: 48% de avaliações “ótimo” e “bom” para seu governo.

Os questionários, aplicados no final de julho e começo de agosto, não captaram o efeito da deterioração das expectativas econômicas com a corrida às Bolsas e o novo escândalo, envolvendo agora o Ministério do Turismo. Mas é pouco provável que esses eventos da semana passada pudessem prejudicar a imagem da presidente.

O vendaval que varreu os mercados financeiros do mundo, embora tenha sacudido também a Bovespa, por ora afeta pouco a economia nacional. A estimativa de crescimento do PIB para este ano pode ser revista de 4% para 3,5%, mas não há explosão inflacionária nem alta de desemprego à vista. Ao contrário: avalia-se que o repique da crise de 2008 oferece boa oportunidade para o Brasil começar a reduzir a taxa de juros.

A percepção do público é de um país em bonança, ainda que o poder aquisitivo tenha sofrido alguma perda com a alta de preços de serviços e de alimentos. E Dilma vai firmando a imagem -um tanto superfaturada- de governante disposta a combater a corrupção.

Como seu governo também é visto como continuidade da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, na visão de muitos ela estaria saindo melhor que a encomenda: um Lula sem mensalão, por assim dizer.

Chama a atenção que Dilma detenha avaliação popular tão positiva ao terminar seu primeiro semestre de governo (Fernando Henrique Cardoso e Lula, nessa altura dos seus, ficaram na faixa de 40% a 43%). Para ser rigoroso, sua administração ainda não começou. Nenhum grande plano seu viu a luz do dia, com exceção de pacotes publicitários como o Brasil sem Miséria.

Os futuros índices de popularidade de Dilma resultarão menos de sua imagem presente ou de suas iniciativas erráticas e mais dos atos de governo real que será obrigada a praticar. Ontem, a presidente vetou na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2012 um artigo que reservava verba para reajustar acima da inflação os proventos de aposentados do INSS. Por elogiável que seja tal disciplina fiscal, decerto não contribuirá para torná-la mais popular.

Mais decisões como essa terão de ser tomadas, nos meses vindouros. O arrefecimento da dinâmica econômica trará erosão paulatina da sensação de bem-estar.

Se os escândalos e denúncias de corrupção prosseguirem, cedo ou tarde afetarão o prestígio do governo. Para o público, ficará evidente que a “faxina” está aquém da sujeira acumulada em décadas de desmandos. Para a classe política incrustada no Congresso, Dilma verá agravada a fama adquirida de parceira iracunda e refratária a compromissos.

Até aqui, a presidente favoreceu a opinião pública em detrimento da base parlamentar. Se a primeira lhe faltar, terá de seguir o conselho de Lula e ceder à segunda.

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Então vejamos:

O que sustenta a afirmação do editorial de que Dilma estaria colhendo, nas pesquisas, resultados da “faxina”? Ela começou a “faxinar” não faz nem dois meses e, de lá para cá, tanto a pesquisa Datafolha quanto a pesquisa Ibope mais recentes, que o texto menciona, mostraram perda de popularidade e não aumento.

O Datafolha mostrou que quase dobrou o índice de ruim e péssimo de Dilma e o Ibope mostrou redução de bom e ótimo de 56% para 48%. Não importa se alguém acha que os dois institutos falsificaram para baixo a aprovação de Dilma, o que importa é que a Folha diz que sua popularidade aumentou nessas pesquisas, mas elas mostram o contrário.

Daí vem a “explicação” para futuras novas quedas da popularidade de Dilma – explicação que, obviamente, excluí uma “faxina” que está minando a aliança política que elegeu a presidente e que se fundamenta em fatores que não afetavam a imagem de Lula.

As denúncias tucano-midiáticas de corrupção no governo federal nunca surtiram efeito, pelo menos nos oito anos anteriores. Por que surtiriam agora?

Lula só foi perder alguns pontinhos de aprovação durante o auge da crise, no final de 2008 e começo de 2009. Mas só depois que se constatou uma perda imensa de empregos naqueles dois ou três meses de um alarmismo da mídia que gerou inclusive as “demissões preventivas” que culminaram com a extinção de quase UM MILHÃO de postos de trabalho.

Prossegue a tática de comparar a avaliação de Dilma hoje com as que tinham Lula e Fernando Henrique Cardoso na mesma época em seus primeiros mandatos. Nos dois casos, por volta do oitavo mês de Lula e de FHC, o país estava indo mal. Não havia empregos, a economia ainda patinava. Mesmo na época de FHC, com a novidade da inflação baixa, o país estava estagnado.

Dilma assumiu com a economia bombando, com milhões de empregos sendo gerados todos os meses, com o poder de compra da população nas alturas… Seu nível de popularidade nos primeiros meses era alto e foi se deteriorando. E o texto da Folha insinua que irá piorar.

O editorial aponta como causas da provável nova queda de popularidade de Dilma medidas como a que ela acaba de tomar que prejudicaria os aposentados em nome da “responsabilidade fiscal” – o que não acredito que teria peso para causar prejuízos em sua popularidade – e o recrudescimento da crise – no que, agora, concordo –, que deve reduzir a sensação de bem-estar da população.

Mas é neste ponto que o editorial se entrega: “Se os escândalos e denúncias de corrupção prosseguirem, cedo ou tarde afetarão o prestígio do governo. Para o público, ficará evidente que a “faxina” está aquém da sujeira acumulada”. Não se tem dito outra coisa, neste blog. Só que aquilo que o texto da Folha joga para o futuro é o que está ocorrendo agora, pois a perda de popularidade que o jornal diz que irá ocorrer já está claramente expressa nas pesquisas.

Pergunta: por que o jornal nega que as pesquisas apontaram queda de popularidade?

Esta questão nos remete ao texto de Merval Pereira em O Globo. Vejamos.

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O Globo

16 de agosto de 2011

Merval Pereira

Apoio Necessário (trechos)

“(…) É inegável que a presidente tem encontrado na opinião pública uma receptividade grande a seus gestos, que parecem levar o governo para um confronto com a política fisiológica que dá sustentação à coalizão governamental. (…)”

“(…) Não é nada paradoxal que a presidente Dilma se fortaleça nas pesquisas de opinião com essa faxina ética, mas se enfraqueça dentro de sua própria base aliada (…)”

“(…) Embora tenha uma base política aliada que cobre cerca de 70% do Congresso, a presidente Dilma vem desagradando a seus apoiadores de tal maneira que hoje já não é possível saber a quantas anda sua base aliada real (…)”

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Novamente é dado como certo que a autodestruição da base aliada esteja rendendo frutos à presidente em termos de popularidade quando o que se pode constatar nas pesquisas não é isso. Como pode ser “inegável que a presidente tem encontrado na opinião pública (…) receptividade (…) a seus gestos”? Não é inegável. Tal afirmação, no mínimo, é polêmica.

O terceiro trecho destacado no texto de Pereira, porém, é preciso ao revelar uma situação da aliança com a qual Dilma se elegeu. De fato a aliança está se desfazendo. A possível saída do Partido da República (PR) da base aliada em tese facilitará muito a abertura de CPIs no Senado, ao menos.

Não admira, portanto, que a mídia insista na tese fantasiosa de que Dilma estaria ganhando popularidade com a destruição da aliança que a sustenta, agora mexendo com o mesmo PMDB que tem poder para simplesmente paralisar o governo. Não nos esqueçamos de que Collor caiu justamente por sua base política ter se liquefeito no Congresso.

Que governo confronta os aliados dessa forma? Alguém imagina Geraldo Alckmin demitindo os envolvidos nas denúncias de corrupção que se avolumam na Assembléia Legislativa paulista e que a maioria governista impede que sejam investigadas por CPIs? As análises midiáticas de que Dilma estaria ganhando popularidade não visariam iludi-la para que continue a sabotar a própria base política?

Dizer que há dente de coelho nesse discurso da mídia, é eufemismo. O que parece haver é uma arcada dentária inteira.

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ATUALIZAÇÃO

PESQUISA CET/SENSUS DIVULGADA EM 16 DE AGOSTO DE 2011

FOLHA.COM

16/08/2011 – 11h23

Dilma tem aprovação de 49,2%, diz CNT/Sensus

JOHANNA NUBLAT

DE BRASÍLIA

Atualizado às 12h23.

O governo Dilma Rousseff é avaliado como ótimo/bom por 49,2% dos entrevistados pela pesquisa CNT/Sensus. Dos entrevistados, 9,3% classificaram o governo como ruim/péssimo e 37,1% como regular.

Essa é a primeira pesquisa CNT/Sensus divulgada no governo Dilma. Foi feita entre os dias 7 e 12 de agosto em 24 Estados. Ouviu 2.000 pessoas e tem margem de erro de 2,2 pontos percentuais.

A avaliação do governo da petista é semelhante à aprovação que o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinha em agosto de 2003, quando 48,3% dos entrevistados pelo instituto tinham uma avaliação positiva do governo.

A marca alcançada pela petista é, porém, menor que todas as outras alcançadas por Lula desde abril de 2007. No fim de seu mandato, o governo do ex-presidente chegou a registrar avaliação positiva de 83,4%.

Alan Marques – 9.ago.2011/Folhapress

O desempenho da presidente é aprovado por 70,2% dos entrevistados e desaprovado por 21,1%, aponta levantamento

A gestão de Dilma é vista como pior que a de Lula por 45,4% dos entrevistados. Apenas 11,5% veem o governo Dilma como melhor que o anterior.

A expectativa de que Dilma fará um bom governo caiu dos 69,2% medidos em dezembro, após sua eleição, para 61,3% em agosto. Também caiu, mais drasticamente, a avaliação feita dos ministérios de Dilma: a escolha dos ministros era aprovada (ótimo/bom) por 45,5% em dezembro, índice que passou para 24,2% em agosto.

A crise no Ministério dos Transportes é tida pelos entrevistados como algo que afeta a imagem da presidente. Entre os que têm acompanhado ou ouviram falar das denúncias, 62,9% disseram acreditar que a crise afetou a imagem da petista; 79,2%, no entanto, aprovaram as medidas adotadas por ela frente à crise política.

Em termos de popularidade, o desempenho da presidente é aprovado por 70,2% dos entrevistados e desaprovado por 21,1%. Em agosto de 2003, a popularidade do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva alcançou 76,7% segundo registro do instituto.

SINAL AMARELO

A avaliação da presidente está boa, mas em declínio, principalmente com relação aos serviços públicos e infraestrutura, afirma Flávio Benatti, presidente da seção de cargas da CNT.

“A população está indicando que o combate à corrupção é importante, mas não é tudo. Tem gordura para queimar, mas precisa agir mais em investimentos na área social e de infraestrutura.” Segundo Benatti, o sinal está amarelo.

As notas dadas para serviços públicos, de 0 a 10, caíram todas se comparadas com a pesquisa anterior que mediu essas variáveis, em janeiro do ano passado. As maiores quedas foram em rede pública de saúde (de 5,1 para 4,5) e escola pública (de 6,5 para 5,9).

DATAFOLHA E CNI/IBOPE

Pesquisa Datafolha divulgada pela Folha no início deste mês apontou que Dilma manteve um nível estável de aprovação nos primeiros meses do ano, mesmo após os primeiros escândalos de corrupção e de medidas para conter o crédito e a atividade econômica.

Realizado entre os dias 2 e 5 de agosto em todo o Brasil, o levantamento do Datafolha indicou que 48% dos brasileiros com 16 anos ou mais consideram o governo de Dilma como ótimo ou bom. Em junho, esse índice era 49% e, em março, 47%.

Uma queda na avaliação positiva da presidente foi verificada pelo CNI/Ibope, em pesquisa realizada entre 28 e 31 de julho e divulgada na semana passada. A aprovação pessoal de Dilma passou de 73% em abril para 67% em julho. Houve uma piora na avaliação tanto o governo como um todo quanto de setores específicos –principalmente relacionados à taxa de juros e inflação.

A queda foi explicada pela CNI como um “ajuste de expectativas” do eleitor, que costuma sair de uma eleição com um conceito elevado do candidato eleito. A avaliação da entidade é que o governo da petista ainda mantém uma aprovação “bastante elevada”.