Salário, inflação e uma idéia de jerico

Análise

Além do problema do real sobrevalorizado, comentado nesta página na sexta-feira, há outro vetor econômico que há que comentar porque também apresenta distorção: a inflação e a sua relação indissociável com os níveis de atividade econômica e emprego.

Não recomendo que se dê muita bola para o que diz a grande imprensa sobre economia. Ao menos sem analisar e checar o contraponto de cada vírgula de suas teses. Quem deu ouvidos a ela no âmbito da crise econômica internacional, por exemplo, deu com os burros n’água.

Só para não deixar tal afirmação assim, solta, explicito que quem demitiu em massa no fim de 2008, sob as catastrofistas previsões midiáticas, pagou indenizações altíssimas e teve que recontratar os empregados logo depois, não tendo poupado nem um centavo.

E olhem que este blog avisou…

Todavia, o jornal Folha de São Paulo publicou um editorial ontem que precisa ser muito bem avaliado porque contém um quê de fundamento. Para simplificar, segue, abaixo, o texto. E, a seguir, os comentários sobre ele.

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FOLHA DE SÃO PAULO

24 de abril de 2011

Editoriais

Empregos no azul

Leitura correta de estatísticas mostra solidez da oferta de postos; problema agora é o efeito da escassez de mão de obra na pressão inflacionária O nível de emprego segue bem, muito bem. O problema é outro.

Na última semana, foram divulgados números aparentemente contraditórios sobre o comportamento do emprego. De um lado, o Ministério do Trabalho mostrou que em março foram criadas 92.675 mil vagas com carteira assinada, bem aquém do verificado nos meses anteriores. Já o IBGE divulgou um forte crescimento da ocupação -incluindo vagas formais e informais- e uma nova redução da taxa de desemprego, que ficou perto de 6% em março (ajustada para fatores sazonais).

A contradição é apenas aparente: a economia continua firme. Os dados do ministério merecem qualificações. A forte desaceleração em março, diante das 281 mil vagas abertas em fevereiro, decorre de fatores atípicos: a semana do Carnaval, que caiu em março, dificulta uma leitura clara do mês.

Considerando o primeiro trimestre, a economia gerou pouco mais de 175 mil colocações por mês, em média. Trata-se de um ritmo ainda forte e apenas um pouco aquém da média próxima de 200 mil vagas mensais observada em 2010. É provável que em abril o resultado volte a ser robusto.

Os dados do IBGE não deixam dúvida sobre o dinamismo do mercado de trabalho. Além do desemprego perto do mínimo histórico, a ocupação total, com ou sem carteira, continuou em alta acima dos 2% anuais. É uma variação superior à da população ativa, que cresce entre 1% e 1,5% ao ano.

A massa nominal de salários (que agrega a variação do emprego com a do rendimento) cresceu 12,5% nos 12 meses encerrados em março -um ganho real de 6%, descontada a inflação. No segundo semestre há concentração de dissídios salariais, e espera-se forte ganho real, entre 3% e 5%, para a maior parte das categorias.

A economia, portanto, segue firme, impulsionada pelo crescimento do emprego e da renda, o que é positivo. Mas há riscos importantes. Crescem as evidências de escassez de mão de obra, qualificada ou não, em vários setores.

O mercado de trabalho apertado é hoje uma fonte importante de pressões inflacionárias, especialmente no setor de serviços, cujos preços crescem acima de 8% ao ano. Se antes era baixo o risco de reindexação mais generalizada da economia, ou de ideias como gatilhos salariais, agora já não é.

O histórico de atrelamento da economia à taxa de inflação não permite desvios de conduta. Se a inflação chegar a 7% ou 8% -não seria essa a trajetória atual, no cenário do Banco Central-, não é inconcebível que apareçam, por exemplo, pressões por reajustes salariais semestrais. Todos sabem aonde isso vai e como termina.

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Se você não ouviu nenhum burburinho sobre “gatilho salarial” é porque não se interessa por economia. Mesmo que não seja o sindicalismo que fala no assunto, já há gente tendo essa idéia de jerico, porque a situação do Brasil hoje é diametralmente diferente daquela do tempo da inflação descontrolada.

Gato escaldado tem medo de água fria. Por isso, lembrando da gritaria inútil que fizeram no início deste ano por conta do reajuste do salário mínimo após anos de reajustes bem acima da inflação, teme-se que, de fato, alguém possa estar pensando em reindexar a economia.

Quem acompanhou a implantação do Plano Real sabe que uma das razões de ter funcionado, ao menos no início, foi a URV, a Unidade Real de Valor. Foi uma idéia incrível que atacou justamente o ponto da economia que impedia a queda da inflação, o efeito inercial.

O que jogou o país na hiperinflação, também, foi a guerra entre preços e salários que se estabeleceu, criando um sistema de auto-alimentação inflacionária no qual os salários subiam por conta dos preços, gerando novos aumentos de preços por conta dos aumentos de salário…

Naquela época, porém, o gatilho salarial era inevitável. O empresariado defendia que não houvesse gatilho sob a argumentação mentirosa de que o “mercado” se encarregaria de adequar a massa salarial. Era falso, porque havia mais mão-de-obra do que emprego.

Hoje, a situação é muito diferente. A escassez de mão-de-obra que cita o editorial da Folha, é real. As empresas, aliás, estão “roubando” empregados umas das outras. Empregados de todos os níveis. De executivos a “peões de obra” estão sendo seduzidos por ofertas da concorrência de seus empregadores.

Nessa situação, quem não ofertar condições atrativas aos seus empregados corre o risco de perdê-los e, depois, de não conseguir preencher a vaga sem pagar ao novo empregado o que negou ao antigo.

A reindexação da economia, neste momento, seria um desastre. Para regular o mercado haveria que lhe dar um choque que fatalmente jogaria o país em uma recessão e ressuscitaria a velha guerra entre preços e salários.

Espera-se, pois, que os agentes econômicos tenham juízo. Tanto empresários que andam maquiando produtos (diminuindo a quantidade nas embalagens e mantendo o preço) quanto sindicalistas que possam estar pensando em recuperar perdas salariais.

A economia, hoje, está muito diferente. Tem que ser gerida com sintonia fina porque cada medida pode gerar efeitos auto-multiplicadores imprevisíveis. E, neste momento, não há perdas salariais, há ganhos. Com inflação e tudo. O mercado de trabalho está aquecido.

Espera-se que política e economia se mantenham bem distantes uma da outra. O país agradece.