Como perder a fé

Crônica

Um bom começo para se perder a fé em qualquer coisa é viver em países como o Brasil – injustos e infestados por mais gente que não respeita valor algum do que seria normal em nações que lograram civilizar-se em níveis aceitáveis.

Juro que luto para manter a fé, sobretudo no ser humano. Tenho medo de acreditar que algum membro da nossa espécie seja irrecuperável. Pode parecer estranho a muitos, mas pensar assim me faria ter medo de viver.

Ultimamente, porém, não está fácil. Fatos que surgiram nas últimas semanas me fizeram temer pelo próprio sentido da vida, que, para mim, é a busca do menor nível de mediocridade que tenhamos que suportar em nós mesmos, como espécie.

Apesar de tantos que se horrorizaram com a mera existência de alguém como Jair Bolsonaro e seus (muitos?) seguidores, assumidos ou não, o fato de haver gente capaz de defender a discriminação de pessoas inofensivas como homossexuais, é de estarrecer.

Pior é ver gente capaz de procurar desmoralizar relatos históricos como a novela do SBT sobre a ditadura, os depoimentos reais de vítimas.

Que ser humano pode ficar impassível diante do que de horrível está sendo relatado sobre aqueles anos obscuros de injustiça, violência, maldade e loucura?

Alguém capaz disso tem recuperação?

E nem vamos falar da mortandade de crianças e adolescentes naquela ESCOLA (!!!) do Rio de Janeiro. Um ser capaz daquele ato é a própria encarnação do diabo. Irrecuperável. Sua loucura não desculpa. E não é a ele, mas à sociedade que deixou alguém chegar àquele ponto.

Todos os sistemas sociais falharam com Wellington de Oliveira. Com eles, falhamos todos nós que não vimos o que acontecia com um ser de quem os relatos dão conta de que apodrecia moralmente às vistas da família e dos amigos, ao menos.

É a sociedade em que estamos inseridos. Está tudo errado. Apaguemos tudo e comecemos de novo. Assim não dá mais. Se este mundo fosse um bonde, pediria para parar para que eu pudesse descer.

Sinto abalar-se dentro de mim um sentimento nobre que sempre procurei cultivar, de acreditar sempre que é possível encontrar um lado bom em qualquer um, por mais corrompido pela vida que possa estar.

Parafraseando Jean-Paul Sartre, “Nenhum ser humano nasce pronto, mas o homem é, em sua essência, produto do meio em que vive, construído a partir de suas relações sociais”.

Ninguém nasce mau ou se torna tão mau a um ponto irrecuperável? Será? Começo a ter dúvidas.

E isso me apavora a um ponto em que, como hoje, sinto a mente vazia. Por isso, não fui capaz de escrever sobre outro assunto além desse medo de ter passado a vida toda me enganando.