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Aviso

Sempre me surpreendo quando ouço ou leio alguém dizendo que não gosta da forma como o Brasil vem sendo governado porque acha que estaria perdendo com as atuais regras do jogo. Tal reflexão me decorreu do fato de que viajo à Argentina a trabalho no próximo domingo e esse trabalho sofrerá conseqüências da atual governança do país.

A bem da verdade, poucos são os que não estão ganhando dinheiro na era Lula. E sou o exemplo vivo de que há quem esteja perdendo – ao menos no que diz respeito aos rendimentos do seu trabalho.

Para quem não sabe, vivo de comércio exterior – e não de jornalismo, atividade que se insere no contexto do ativismo político que pratico através do Blog da Cidadania e do Movimento dos Sem Mídia, que só me dão despesas.

Mantenho um escritório de representação de indústrias brasileiras na América Latina e na África. Em tese, portanto, estaria perdendo por conta da preocupante situação cambial que vige hoje no Brasil e que está gerando não menos preocupantes déficits em conta corrente (resultado do fluxo de entrada e saída de divisas).

A conta corrente sintetiza as relações de uma nação com o exterior. Inclui a balança comercial (exportações menos importações), a balança de serviços (como royalties que multinacionais mandam para suas matrizes) e as transferências unilaterais (dinheiro que estrangeiros que vivem aqui remetem para seus países e brasileiros que moram lá fora mandam para cá).

Quando a conta corrente é deficitária, o país precisa financiá-la. O que a vem mantendo no azul são os Investimentos Estrangeiros Diretos (IED). Para 2010, o BC espera um resultado positivo por conta desses investimentos, que cobririam com sobra o saldo negativo do fluxo de entrada e saída de dólares.

Em síntese: exportar ficou difícil e importar ficou fácil. Eu vivo de exportar.

Com o dólar se desvalorizando, quando você vai converter em reais a receita de uma exportação, ganha cada vez menos. Não raro, você fecha uma operação com exterior pensando em ganhar 10 e, se essa operação demorar a se concretizar, corre o risco de receber 9, 8, sabe-se lá quanto a menos.

Para não ser pego por uma diferença para menos que pode comprometer seriamente a rentabilidade de uma exportação, convertendo-a em prejuízo, é preciso colocar alguma “gordura” no preço, de forma preventiva.

Ora, há uma diferença significativa entre o que se quer ganhar e o que é possível ganhar – e boa parte do problema reside na mentalidade do empresário brasileiro, que, devido às barreiras protecionistas do país, acostumou-se a ganhar muito sobre pouco, quando os chineses, por exemplo, ganham na escala de vendas e produção.

Se não é possível a ninguém transformar os próprios desejos comerciais em realidade, pois quem arbitra preços é o mercado, essa necessidade brasileira de vender mais caro ao exterior vem dificultando as exportações, o que vem produzindo esse efeito deletério sobre as contas externas.

Em resumo, estou entre os que têm mais dificuldade para ganhar dinheiro hoje no Brasil. Uma vitória de José Serra na eleição presidencial poderia ter melhorado os meus ganhos financeiros. Não são poucos os que acham que ele interviria no câmbio, se fosse eleito.

No fim da era FHC, quando a farra cambial de seu primeiro mandato fez o real derreter, enquanto todo mundo estava perdendo – pois moeda fraca impõe piora do poder de compra da população – eu estava ganhando. O preço do dólar explodia e qualquer exportaçãozinha gerava belos lucros.

Contudo, ninguém ganha quando um país vai mal. No fim das contas, há prejuízos que extrapolam o financeiro/econômico. Um país mal administrado produz violência e criminalidade ainda maiores, por exemplo, e um péssimo ambiente de negócios.

Se fosse votar com o meu umbigo, teria votado em Serra. O estrato social em que me mantenho a duras penas ganharia com um novo governo do PSDB, que vinha para gerar ganhos a estratos sociais melhor aquinhoados que, apesar de terem ganhado tanto na era Lula, com Serra acham que ganhariam mais, ao exorbitante custo da interrupção da distribuição de renda que se processa hoje no país.

Do próximo domingo até o primeiro sábado subseqüente, viajo pela Argentina em busca de negócios. Não será fácil. Não só pela situação cambial já descrita, mas, também, porque, devido à eleição  – e, depois, à entrevista com o presidente Lula -, posterguei essa viagem bem mais do que deveria, pois o ano está acabando e, nesta época, ninguém quer fazer negócios.

Todavia, ponho fé no meu taco, no meu comprovadamente eficiente trololó castelhano. Jamais voltei de mãos vazias de uma missão comercial a outro país.

O prejuízo que causei conscientemente aos meus ganhos é um dos principais motivos pelos quais a família me desaprova o ativismo político. Contudo, mulher e filhos não entendem completamente, apesar de minhas explicações, que a pior coisa que alguém pode fazer é pensar só no seu interesse direto.

Nesse contexto, a vitória de Serra teria sido ruim também para a minha família, porque resultaria em redução – ou quem sabe eliminação – do processo de distribuição de renda, processo sem o qual situações como a que se vê ocorrer no Rio agora mesmo tendem a se agravar e a se espalhar pelo país.

Durante a próxima semana, portanto, haverá demora um pouco maior na liberação de comentários. Mas este blog não pára. Mesmo com os prováveis jantares de negócios – em viagens desse tipo, a gente trabalha 24 horas por dia –, se necessário irei dormir mais tarde para não faltar com a obrigação que tenho para com meus leitores.

Torçam por mim, pois.

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PS: O sorteio do livro de Conceição Lemes será feito por ela e os dois contemplados serão anunciados em post exclusivo aqui neste blog. Em seguida, a Conceição entrará em contato com essas pessoas por e-mail para pedir endereços para envio dos livros. Boa sorte a todos os que se inscreveram.