Soninha, dona Berta mandou você pastar…

Crônica


D. Berta, aposentada de 82 anos, tem cabelos branquinhos, curtos, óculos bifocais pendurados no nariz adunco, menos de 50 quilos e 1m55 de altura. É usuária freqüente do metrô. Na última terça-feira, foi colhida pela paralisação do serviço e teve que caminhar pela linha do trem até a próxima estação.

Ao fim do relato que me fez do “sufoco” que passou, contei-lhe que estão culpando o PT pelo problema que a sufocou. Ela não costuma conversar sobre política. Diz que “são todos vagabundos”, mas, quando ouviu isso, ergueu os olhos e me perguntou: “Como é que é?!”

Contei-lhe que uma moça que trabalha na campanha de José Serra andou espalhando na internet que o PT tinha sabotado o trem para prejudicar o ex-governador de São Paulo na eleição. A anciã nem sabia que ele não está mais no cargo.

Então ficou alguns segundos em silêncio, como se refletisse sobre a hipótese. Interrompeu a reflexão dizendo que não poderia ser, porque o metrô “dá problema toda hora”. Ela já teria passado outros “sufocos” e há tempo vinha esperando que acontecesse “alguma desgraça”, sobretudo “na Sé”, estação onde, no fim da tarde, dezenas de milhares se espremem.

Disposto a provocar a idosa, repliquei se talvez, só desta vez, não pudesse ter sido uma sabotagem, pois Soninha, assessora do candidato Serra, está acusando o PT e achando o problema de terça-feira “muito estranho”.

A vovozinha pareceu perder a paciência:

— Olha, meu filho, você me desculpa, mas a sua amiga, aí, é muito cara-de-pau. E você, não anda de metrô, não? Será que não sabe que é difícil subir naquele trem e ele não parar dentro do túnel? Quer dizer que o tal VT…

— Não é VT, dona Berta, é pe-tê…

— É isso aí que você ta dizendo, esse tal de não-sei-o-quê fez o trem parar só desta vez? E nas outras vezes, foi quem?

— É o que diz a Soninha, dona Berta…

— Olha, desculpa eu falar assim, mas manda a tal de Soninha pastar e dizer pros chefes dela pra tomarem vergonha na cara deles e consertarem aquelas porcarias que eu tenho mais o que fazer. E me dá o nome desse homem aí, que é chefe dela, pra eu não votar nele. Aliás, em quem você acha que eu podia votar pra arrumar essa desgraceira, aí?

— A senhora tem o título? Tem que levar junto com o RG.

— Como é que eu faço pra tirar o título de eleitor? Nem sei mais onde está. Só tem a identidade. Mas vou votar pra ver se melhora alguma coisa. Assim não dá. Esse metrô ainda acaba com a minha vida.

— Deixa que eu vou explicar tudinho pra senhora, então.